3º Trimestre de 2018
Introdução
I-O Objetivo dos Milagres no Evangelho de João
II-Jesus e a Vida Social
III-O Significado do Milagre da Transformação da Água em Vinho
Conclusão
Professor(a), a lição deste domingo tem como objetivos:
Analisar os objetivos dos milagres no Evangelho de João;
Destacar o fato de Jesus ter uma vida social ativa;
Detalhar o significado do milagre nas bodas de Caná.
Palavras-chave: Milagre.
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio de autoria do pastor César Moisés Carvalho:
Há alguns anos, um líder religioso brasileiro, em uma de suas mensagens, teve o atrevimento de criticar o primeiro milagre realizado por Jesus, alegando que tal feito não trouxe “nenhum benefício” às pessoas. Não obstante a injustificada audácia, tal colocação revela completo desconhecimento acerca da interpretação bíblica que, para se aproximar minimamente do sentido do texto, deve considerar, tanto quanto possível, o plano literário do material (autoria, tema, destinatários, local, propósito). Considerando que a narrativa encontra-se no Evangelho de João e este possui, nas palavras de Charles Harold Dodd, uma “Weltanschauung fundamental” , ou seja, uma visão de mundo específica, torna-se obrigatório procurar conhecer tal cosmovisão. O mesmo autor informa, por exemplo, que durante o período em que “predominou a Religionsgeschichtliche Schule , nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do século XX, chegou-se a admitir comumente que o Quarto Evangelho devia ser entendido quase inteiramente de um ponto de vista helenístico, e assim eram sensivelmente subestimados os elementos judaicos ou hebraicos que nele apareciam”. Dessa forma, ignorava-se que o Evangelho de João “é o único documento do Novo Testamento que usa o termo Messias [1.41], transliteração grega do hebraico mashiah ou do aramaico meshiha’ muito provavelmente deste último”. Não apenas isso, mas conforme Joachim Jeremias, especialista em cultura judaica, em se tratando do início de um livro, o prólogo do Evangelho de João representa um caso único em todo o Novo Testamento, pois enquanto os demais textos neotestamentários iniciam “geralmente ou por um prefácio ao conjunto da obra ou pela abertura do primeiro capítulo”, o Quarto Evangelho “é totalmente diverso, [pois] coloca-nos diante deste início dogmático: ‘No princípio era o Verbo’”. Ao passo que muitos se prendem ao termo grego Logos e procuram discutir os seus inúmeros significados , Joachim Jeremias defende que para se entender a singularidade deste prólogo, é preciso conhecer a estrutura, ou forma literária, do texto de João 1.1-18.
Sabe-se que há não poucos hinos em o Novo Testamento, mas de todos eles, “o mais próximo do hino cristológico de Jo 1 é com certeza Fl 2.6-11”. A distinção destes dois hinos neotestamentários em relação aos demais, informa o mesmo autor, consiste no fato de eles “relatarem, narrarem e pregarem a história de Cristo”, sendo, portanto, “Heilsgeschichte in Hymnenform (história da salvação em forma de hino)”. Tal “gênero literário”, informa Jeremias, “em que a história da salvação é cantada na forma de salmodia, provém do Antigo Testamento; basta comparar os salmos que exaltam a maneira como Deus conduz seu povo através de sua história, como, por exemplo, o Sl 78”. Portanto, além da inspiração do Espírito Santo de Deus, há que se entender que tais recursos estilísticos estavam em consonância com o propósito do apóstolo do amor que era justamente demonstrar que “Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo”, as pessoas tenham “vida em seu nome” (20.31). É sabido, por exemplo, que a estrutura de todo o Evangelho de João, foi intencionalmente elaborada visando alcançar tal propósito, pois conforme o último versículo: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém!” (21.25). Tal texto lança luz sobre a verdade de que “Jesus, pois, operou também, em presença de seus discípulos, muitos outros sinais que não estão escritos neste livro” (20.30). Portanto, conforme Dodd, o “próprio livro apresenta sua divisão no fim do capítulo 12”. Ainda que tal divisão tenha paralelos nos outros Evangelhos, na opinião do autor, “aqui ela é feita de modo mais formal” fazendo com que o Evangelho, neste ponto, divida-se “virtualmente em dois livros”. Dessa maneira, o “que vem depois, nos capítulos 13―20 ou até 21 se incluímos o apêndice ― pode ser chamado propriamente O Livro da Paixão”. A respeito dos capítulos precedentes, Dodd diz que eles “correspondem à narração do Ministério nos outros evangelhos”, no entanto, a maneira “como João o considera, pode ser deduzido das palavras com que começa o epílogo, que ele acrescentou em 12.37-50 tosauta de autou semeia pepoiekotos...” e, por isso mesmo, pode ser chamado de “Livro dos Sinais” , que se inicia no capítulo 2. Assim, nas palavras de Giuseppe Barbaglio, “as fontes cristãs interpretaram os milagres de Jesus sobretudo em sentido cristológico”. O que isso significa? O fato de João denominá-los, por exemplo, de “sinais” significa que eles são “portadores de significados profundos, concretamente atos de automanifestação de Jesus, Filho de Deus, Revelador do Pai ao mundo, Fonte de luz e de vida (cf. as curas do cego de nascença, do filho do funcionário real de Cafarnaum e do paralítico, e a ressurreição de Lázaro), Pão vivo descido do céu (multiplicação dos pães), Esposo dos últimos tempos, Doador de salvação (água transformada em vinho) e aquele que pode reivindicar o absoluto “Eu sou” (caminhada sobre as águas)”.
Como é possível perceber, cada um dos sinais está relacionado à obra maior que Jesus Cristo veio realizar, ou seja, “os milagres são eminentemente ‘sinais de salvação’”. Na verdade, o apóstolo João utiliza a expressão “sinais” não apenas para referir-se aos milagres realizados pelo Senhor, pois estes são alocados, como já foi dito, dentro do plano literário do Quarto Evangelho, no chamado “livro dos sete sinais”, abrangendo a primeira parte da obra (2.1―4.54; 5.1―11.54). Neste aspecto, a opinião de Graham Twelftree é que “nenhum dos escritores dos evangelhos, com exceção de João, é bem-sucedido na apresentação de um relato uniforme e consistente da motivação de Jesus para realizar milagres e que Jesus ― ao escolher curas sem precedentes em sua cultura, como as do surdo, do mudo, do cego e do paralítico ― estava tanto desbravando novos caminhos quanto tornando difícil para os observadores entenderem seus motivos”. Apesar de os milagres realizados pelo Mestre ser sempre em favor do homem, é importante entender que “assim como [em Jo] 2,1-11 dava chave positiva para interpretar os sinais (a manifestação da glória), em 4,48 Jesus exclui outra chave de interpretação que falsearia seu messianismo: a sua glória não se manifestará por meio de sinais portentosos”. O Mestre não pode ser confundido com um taumaturgo, isto é, “aquele que faz milagres”, que realiza prodígios transitórios e paliativos, com o objetivo de chamar a atenção para si e fazer das pessoas reféns de seus “superpoderes”. O projeto de Cristo vai muito além, pois está amalgamado com a Criação, visando sempre restaurar a obra iniciada pelo Pai e que, lamentavelmente, fora “interrompida” na Queda. Conforme defende o teólogo pentecostal Vernon Purdy, o próprio ensino da cura divina em círculos pentecostais fundamenta-se na “crença de que a salvação deve ser entendida, em última análise, como a restauração do mundo caído”.
Daí o porquê de no capítulo anterior ter sido trabalhada a questão de que os milagres, bem como o ensinamento do Senhor e todas as demais obras realizadas por Ele, têm íntima conexão com o projeto do Reino de Deus. Tal conexão, inclusive bíblica e feita pelo próprio Mestre (Mt 12.28; Lc 11.20), revela que tais milagres estão intrinsecamente “relacionados à missão messiânica de Jesus” , pois quando “o reino de Deus se aproxima, os poderes antidivinos são identificados e exterminados”. Assim, através de cada uma de suas ações Jesus vai ordenando a Criação e mostrando de forma proléptica a realidade do Reino, ou seja, particularmente no Evangelho de João, “‘sinal’ é ação realizada por Jesus que, sendo visível, leva por si ao conhecimento de realidade superior”. Nesse sentido, a expressão “sinal”, do grego semeion, apesar de se referir a milagre e, de forma geral, demonstrar autoridade (Jo 2.18), particularmente no Quarto Evangelho, de acordo com Benny Aker, “diz respeito a um acontecimento extraordinário e especial, chamando a atenção para a atividade salvadora de Jesus e aludindo à sua morte e ressurreição”.
É por isso que, explica Klaus Berger, ao narrar-se “um ato milagroso, isso ainda não quer dizer que tal ato seja o centro da narrativa”, isto é, a “narração do milagre é antes o veículo para alguma afirmação especial, de acordo com cada gênero literário e sua função na comunidade”. Como o estudioso atento já percebeu, no quarto Evangelho, intercala-se sinal e discurso, e tal se dá pelo fato de que de acordo com Wolfhart Pannenberg, “faz parte da função do sinal não apenas que ele aponta para a coisa assinalada, mas também que alguém siga o rumo para o qual o sinal aponta”, pois apenas “desse modo se cumpre a função do sinal”. Tal intercalação se dá pelo fato de que “toda e qualquer palavra do mensageiro de Deus é uma ação e cria realidade”, em termos diretos, quando se fala de um milagre, não “se trata, pois, de um gênero literário, mas de uma maneira de entender a realidade”. Acerca desse mesmo assunto, Xavier Léon-Dufour, explica que no “Quarto Evangelho, com efeito, o milagre não é denominado ‘ato de poder’ (dýnamis), como é de costume nos sinóticos, mas ‘sinal’ (sēméion)”. Tal distinção indica que a escolha da expressão não se deu de forma aleatória, mas diretiva e intencional. O mesmo autor diz que tal se dá porque o referido “termo joanino inclui sempre dois aspectos: demonstrativo, o sinal suscita a fé dos discípulos em Jesus; expressivo, ele manifesta a glória daquele que opera”. O termo é tão importante que o teólogo pentecostal Benny Aker diz que desde muito tempo “que os estudiosos discutem o significado do termo sinal (semeion) no Evangelho de João”, e que a análise desta “palavra nos ajuda a descobrir como o Evangelho deve ser dividido e interpretado”. Mesmo tendo abordado anteriormente a questão da estrutura do livro, tal informação não deixa de surpreender, pois primeiramente é preciso saber que “João tenciona que os ‘sinais’ beneficiem os leitores”, e que eles “significam algo mais que meros milagres”.
Mais deve ser dito a respeito dos “dois aspectos” do sinal, mencionados por Léon-Dufour, isto é, o “demonstrativo e expressivo, do sinal joanino” que, de acordo com o mesmo autor, “correspondem, de modo geral, à distinção feita na linguagem atual entre sinal e ‘símbolo’”. Uma vez que, por si mesmo, “o sinal remete a outra coisa e, como tal, não tem nenhum interesse, ao passo que o símbolo já é em si mesmo epifania de uma realidade secreta, presença daquilo que ele significa”, torna-se imprescindível saber que o sinal “requer para tanto um ato de inteligência que se pode denominar ‘operação simbólica’”. Justamente por isso, diz Léon-Dufour, em “Caná, o chefe do serviço apenas se admira de provar vinho melhor, ao passo que os discípulos percebem a glória de Jesus”. Nas palavras de Santo Agostinho, citado pelo autor francês, “toda ação do Logos é palavra; ela deve ser compreendida como revelação do seu mistério e obriga a uma opção a seu respeito”. Em sentido inverso, Udo Schnelle, ao tratar do discurso religioso, afirma que este possui uma dimensão simbólica; e os símbolos, segundo ele, “são sinais que apontam para além de si e que abrem novos mundos de sentido, que trazem uma outra realidade para dentro de nossa realidade”. Mesmo que a informação pareça redundante, é necessário saber que os símbolos “precisam ser escolhidos de tal forma que, por um lado, po[ssa]m ser recebidos pelos ouvintes/leitores e que, por outro, apresent[e]m adequadamente a grandeza a ser simbolizada”. Com uma prática teológica que valoriza o método alegórico, o pentecostalismo é talvez a expressão cristã que mais necessita do conhecimento que em “Jesus de Nazaré, o símbolo religioso central é o Reino/domínio de Deus”. Se for como a maioria dos autores insiste, o Reino de Deus apresenta-se como chave hermenêutica para o entendimento do evangelho, não apenas no sentido que usualmente se utiliza, mas no que já foi registrado no capítulo anterior acerca de este ser “um novo tempo”. Logo, a concentração e o esforço na pesquisa acerca do tema não apenas se autojustificam, mas são também obrigatórios. Assim, a orientação de Udo Schnelle em sua Teologia do Novo Testamento torna-se ainda mais oportuna:
Símbolos como sinais linguísticos estão sempre inseridos na enciclopédia de um círculo cultural, especialmente em sua língua. Para poder compreender um símbolo é preciso perpassar e verificar a enciclopédia do termo. No caso de “Reino/domínio de Deus”, trata-se do conceito de Deus como rei no Antigo Testamento, no judaísmo antigo e no helenismo. Fazem parte desse conceito um amplo campo linguístico (Deus como rei e formulações verbais sobre o governar), associações afins (por exemplo, Deus como Senhor e juiz), atributos e insígnias reais (por exemplo, palácio, trono, corte, glória), a metafórica real (por exemplo, o rei como pastor) e tarefas tipicamente reais (conceder a paz, julgar os inimigos). O ponto de partida desses conceitos é a experiência — imediatamente presente na Antiguidade — do domínio ilimitado e do caráter todo-poderoso dos reis, cuja plenitude de poder se oferecia como símbolo para Deus.
Portanto, sendo o Reino de Deus a principal mensagem de Jesus, isto é, a Boa Nova, Walter Liefeld diz que no “início do seu ministério, o Senhor Jesus ilustrou a novidade do seu evangelho ao lembrar a seu público de que não se coloca vinho novo em odres velhos (Mc 2.22)”. No intuito de demonstrar que essa mesma verdade consta nos textos dos demais evangelistas, o autor citado diz que, segundo João, o primeiro milagre realizado por Cristo “foi a transformação de água em vinho, seguido da purificação do templo e do ensino do novo nascimento (Jo 2.1—3.14)” e que, continua, com “essas palavras e ações, a nova era é introduzida”. Como se pode ver, tal acontecimento possui uma função que extrapola o âmbito do miraculoso e demonstra, de acordo com Juan Barreto e Juan Mateos, que tal sinal nas Bodas de Caná tem uma função “programática”, posto “que apresenta o objetivo de sua missão no âmbito de Israel com o motivo teológico da substituição da aliança: Jesus substituirá a antiga aliança baseada na Lei, pela nova baseada no Espírito/amor leal (1,17)”. Isso significa que sendo tal milagre o primeiro sinal, ou na expressão joanina, “‘o princípio dos sinais’”, justamente por “ser princípio, começo e origem de todos os outros, oferece sua chave de interpretação: em cada sinal é preciso descobrir a manifestação de sua glória-amor (cf. 11,4.40)”. Em se tratando dos sinais elencados por João, existe uma espiral em direção a “suprema manifestação de sua glória [que] será sua morte na cruz (17,1), à qual já alude em Caná (2,4: a minha hora)”, ou seja, “em cada sinal antecipa-se o amor até o extremo (13,1) que Jesus vai demonstrar na sua morte”. Justamente por isso o “sinal de Caná apresenta”, conforme os autores defendem, “o programa de toda a vida de Jesus”. Ressalte-se que, o “aspecto teológico” de tal sinal, ou seja, “a substituição da aliança, desenrola-se no primeiro ciclo (2,1―4,46a: o ciclo das instituições)”, pois no referido ciclo, “irão sendo expostas as diversas substituições que comporta a da aliança: substituição do templo (2,13ss-22), da Lei (3,1-21), dos mediadores de antiga aliança (3,22―4,3), do culto ritual (4,4-42)”.
Para muito além da questão de que seis talhas de pedra, cujo conteúdo fora preenchido com cerca de 480 a 650 litros de água, e que tal água miraculosamente foi transformada em vinho de primeiríssima qualidade, no Quarto Evangelho, “o reino de Deus mostra-se em ação naquilo que Jesus realiza nas bodas de Caná, e que manifesta a sua glória”. Esse é o sentido do primeiro sinal realizado pelo Senhor. Mas o que isso significa? Nas palavras do teólogo pentecostal Benny Aker, tal ação simboliza o fato de que quando as “pessoas creem em Jesus e nascem pelo Espírito, elas têm uma nova natureza religiosa e tornam-se a morada do Espírito, o novo templo” e esta, diz o mesmo autor, é justamente a “experiência transformadora da água em vinho, ilustrada na cura do doente, na doação de visão ao cego, na ressurreição do morto e culminando na morte e ressurreição de Jesus”. Dessa forma, a “transformação da água em vinho como o princípio dos sinais direciona e antecipa o leitor para a conclusão do Evangelho”, isto é, o “primeiro sinal antecipa o ponto climático da ressurreição”. Este sentido mais profundo não está óbvio no primeiro sinal, apenas o estudo de todo o Quarto Evangelho leva a esta conclusão. Contudo, alguns detalhes imprescindíveis do texto devem ser analisados. O primeiro deles é o fato de Jesus ser alguém que tinha uma vida social. Convidado a ir a um casamento, juntamente com sua mãe e seus discípulos, o Senhor não se negou a fazê-lo (Jo 2.1,2). Neste aspecto, um contraste entre Jesus e João Batista, seu precursor, é inevitável. Enquanto “João abandonou a civilização e viveu no deserto”, diz Moltmann, “Jesus abandonou o deserto e foi para as movimentadas aldeias da Galiléia”. Para o mesmo autor, essa diferença era proveniente da “singular experiência batismal de Jesus” que, conforme afirma Moltmann, nada teve que ver com um batismo para “‘perdão dos pecados’”, antes Ele experimentou o que os “evangelhos denominam de experiência do Espírito”.
O capítulo anterior finalizou com a argumentação de que os milagres realizados por Jesus tinham também uma função social. O fato de faltar vinho na festa de casamento indica um problema relacionado à falta de provisão (v. 3). Sabe-se que permitir que o vinho acabasse “em uma celebração de casamento era socialmente embaraçoso e seria motivo de piadas na vila por muitos anos”. Tal “visão social” do que Theissem chama de “movimento de Jesus”, indica que “à luz prévia do reino de Deus, o movimento de Jesus realizou uma revolução de valores, isto é, uma apropriação de atitudes e normas da classe superior por parte de pessoas humildes marginalizadas”. Isso quer dizer que “Virtudes aristocráticas foram reformuladas de tal maneira que se tornaram acessíveis a pessoas humildes” e, de igual forma, “concepções de valores de pessoas simples para o convívio com outras pessoas, amor ao próximo e humildade, foram definidas de tal forma que podiam ser defendidas com autoconsciência aristocrática”. Numa palavra, a “verdadeira revolução de poder era aguardada a partir de Deus: em seu reino os pobres, famintos e sofredores alcançariam seus direitos”. Assim, com a realização do primeiro sinal entende-se que a revolução de valores promovida pelo movimento de Jesus era de natureza “carismática”, ou seja, de acordo com Theissen, na prática de Jesus “não se fundamentava apenas a convicção dos grandes valores por milagres e revelações extracotidianos, mas também se aguardava sua concretização por meios extracotidianos, através de ações simbólicas e feitos milagrosos, oração e bênção”. E tal se dá porque o “carisma não era somente poder de ser reconhecido, mas também poder de impor, capaz de se tornar eficaz sem coerção”. Na festa de casamento realizada onde hoje está localizada “Khirbet Kaná, 14 quilômetros aproximadamente ao norte de Nazaré” , aldeia de onde Jesus e sua família procediam, certamente houve uma amostra de tal interinfluência, pois os aristocratas presentes nas bodas do casal sem provisão não apenas ficaram sem ter o que dizer, pois sequer perceberam a falta de vinho, mas ainda provaram do melhor vinho de suas vidas!
Uma vez que “as mulheres ficavam mais perto do lugar em que o vinho e a comida eram preparados”, informa Craig Keener, “Maria fica ciente da escassez de vinho antes que a notícia chegue a Jesus e aos demais convidados”. A resposta de Jesus à interpelação de sua mãe, chamando-a de “mulher” (v.4), de acordo com o mesmo autor, “era forma respeitosa de tratamento (assim como ‘madame’)”, embora, ele observe que “dificilmente [era] usada para se dirigir à própria mãe”. Léon-Dufour, concorda com a observação e diz que, a “despeito da impressão que possa ter o leitor moderno, Jesus não demonstra falta de respeito: a apelação é empregada com frequência num contexto muito elogioso”. Quanto à expressão “hora”, trata-se da tradução da palavra grega hora, diz Aker, que literalmente quer dizer “‘hora’, ainda que não com o mesmo significado que a [nossa] moderna palavra ocidental”, pois tal “palavra distingue e conecta este primeiro sinal (‘Ainda não é chegada a minha hora’, Jo 2.4) com sua realização, a morte de Jesus (‘Pai, é chegada a hora’, Jo 17.1)”. Portanto, a “‘hora’ enfatiza este princípio dos sinais e está ligada com a hora da morte e ressurreição de Jesus” que, como se sabe, “chegou em sua última semana de vida e teve cumprimento especialmente na sua morte (Jo 12.23,27; 13.1; 17.1 [onde ‘glória’ ocorre na forma verbal])”. A resposta de Maria na sequência (v.5), denota que “solicitada a captar que chegou para ele a hora de agir segundo a vontade do Pai, deixa de falar como mãe segundo a carne e comunica aos criados sua confiança total, basicamente a mesma que estava implícita na sua primeira palavra, mas agora sem evocar nada com precisão”. Ela não diz o que deve ser feito, apenas contenta-se em confiar que os criados devem fazer o que Ele disser. O já citado Léon-Dufour observa apropriadamente que Maria não diz: “‘Fazei tudo o que meu filho vos disser!’, ela nem sequer nomeia a pessoa de Jesus e contenta-se com o pronome ‘ele’; é porque, com efeito, Jesus não pertence mais à sua mãe, ele depende apenas de Deus”. Tal fica claro pelo simples fato de que “o original nem de longe exprime uma ordem baseada numa evidência (como acontece na tradução habitual: ‘Fazei tudo que ele vos dirá!’, mas denota uma eventualidade determinada tão-somente por Jesus”.
A próxima cena, observada por João, refere-se as seis talhas de pedra, cuja capacidade não é precisada, pois “em cada uma cabiam duas ou três metretas” (v. 6), isto é, a “quantidade que continham aproxima-se da quantidade de água que conteria um mikvé judaico”. O mikvé judaico “era um lugar cerimonial para conter água, construído no chão das casas (e colocado ao redor do templo em Jerusalém), algo como uma banheira de uma casa moderna, e era usado para purificação religiosa”. Essa informação é importante, pois havia regras rígidas para a utilização da água em cerimônias de purificação e sabe-se que as talhas não eram apropriadas para a estocagem de água destinada a tal fim. No entanto, nesta casa, por alguma razão, elas estavam destinadas para esse propósito. De qualquer forma, uma vez que elas estavam reservadas a este objetivo, utilizar “talhas de água com um propósito não ritual violava os costumes da época”, diz Keener, no entanto, “Jesus dá maior valor à honra do anfitrião que aos costumes ligados à pureza cerimonial”, ou seja, apesar de os recipientes terem sido dedicados ao uso sagrado, “Jesus, aqui, demonstra preocupar-se mais com o casamento do amigo que com os rituais da época”. Se utilizar as talhas para uma finalidade distinta da que elas haviam sido destinada já era um absurdo, ordenar que as talhas vazias sejam cheias de água a fim de que se tornassem miraculosamente em vinho, estava completamente fora de cogitação (vv. 7-9). O propósito ritualístico e religioso fora preterido em favor de uma finalidade social e festiva, pois o vinho, entre outras coisas, simboliza alegria.
Para Alberto Maggi, tal ato miraculoso indica que “chegou o momento da mudança radical da aliança e da relação entre os homens e Deus: a água é mudada em vinho” e, por este ato, “Jesus oferece a verdadeira purificação que permitirá a relação contínua com o Senhor”. Isso porque, diz o mesmo autor, essa “purificação não dependerá da observância da Lei, mas da acolhida do amor gratuito do Senhor”. Enquanto na perspectiva legalista havia exclusão, na atitude de Jesus há uma indistinta inclusão. Tal é assim porque na “nova aliança, não há necessidade de o homem se purificar para ser digno do Senhor, mas é a acolhida do Senhor que o purifica e o torna digno do seu amor”. Os contrastes entre as duas Alianças são nítidos, enquanto a “água servia para a purificação externa do indivíduo; o vinho oferecido por Cristo, símbolo do amor de Deus, penetra dentro do homem, se torna [parte do] seu próprio sangue e lhe permite estabelecer, sem mais intermediários, uma relação pessoal e imediata com o Pai”. Sabe-se que uma vez modificada “a aliança, já declarada pelo próprio Deus como antiquada e superada (Hb 8,13), as instituições do antigo pacto já se tornaram inúteis”. Numa palavra, na perspectiva da Nova Aliança, as “antigas estruturas não são purificadas, mas eliminadas: é o que fará o Messias, começando pelo Templo de Jerusalém”. E esta é mais uma das grandes diferenças entre João Batista e Jesus. Enquanto o primeiro parecia querer purificar as estruturas religiosas de Israel, o segundo sabe que isso já não é mais possível e nem necessário, pois a ordem habitual das coisas será, a partir de agora, invertida (v. 10). Conforme Benny Aker, ao proceder dessa forma e “guardar o melhor [vinho] para o final, Ele muda o costume social”, em clara demonstração que a “salvação e a comunidade que Jesus cria é claramente superior às do judaísmo”. Assim, com este “primeiro sinal, a direção para a verdadeira compreensão é dada: aquilo que Ele proverá por sua morte e ressurreição é indicada pelo novo vinho milagrosos de João 2.1-11”.
O versículo conclusivo (v.11), longe de ser uma unanimidade, encerra profundas reflexões, pois contêm duas expressões gregas importantíssimas para o plano literário do Quarto Evangelho: arkhḗ e doxazô. A primeira refere-se a “começo” que, neste contexto, significa que o ocorrido “não dá início apenas a uma enumeração: ela assinala uma novidade daqui por diante presente”. Benny Aker diz que dentre os vários significados possíveis de arche em João 2.11, está a versão da NVI que “traduz esta palavra grega numericamente ‘primeiro’” enquanto que na ARC “traduz por ‘principiou’, ou seja, é a iniciação de algo”. No entanto, diz o mesmo autor, “nenhuma tradução chama atenção especial para o significado do conteúdo posto entre parênteses por esses sinais”, ou seja, o “significado ‘principiou’ sugere que ‘outros’ vão se seguir — da mesma natureza ou então que este primeiro tem ‘status primário’”. O que está se tentando evidenciar com a expressão é que, em “qualquer caso, há uma inter-relação entre o ‘princípio’ e os que seguem”. O segundo termo, “glória”, ou seja, “doxazô, glorificar, manifestar a glória” , de acordo com Juan Mateos e Juan Barreto, traduz claramente o sentido da expressão, pois de “fato, a manifestação da glória em Caná é proléptica com respeito à que terá lugar em ‘sua hora’, com a qual se ligam outros textos”. Assim, o último versículo da perícope dá o tom de toda a primeira parte do Quarto Evangelho, do chamado livro dos sinais, mostrando que o primeiro milagre realizado pelo Senhor demonstrava a natureza da sua obra — inaugurar o Reino de Deus e anunciar tal Boa Nova de salvação beneficiando, não apenas o casal de nubentes e seus convidados, mas a toda a humanidade.
*Adquira o livro do trimestre de autoria de CARVALHO, César Moisés. Milagres de Jesus: A Fé Realizando o Impossível. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
Que Deus o(a) abençoe.
Telma Bueno
Editora Responsável pela Revista Lições Bíblicas Jovens
Prezado professor, aqui você pode contar com mais um recurso no preparo de suas Lições Bíblicas de Jovens. Nossos subsídios estarão à disposição toda semana. Porém, é importante ressaltar que os subsídios são mais um recurso para ajudá-lo na sua tarefa de ensinar a Palavra de Deus. Eles não vão esgotar todo o assunto e não é uma nova lição (uma lição extra). Você não pode substituir o seu estudo pessoal e o seu plano de aula, pois o nosso objetivo é fazer um resumo das lições. Sabemos que ensinar não é uma tarefa fácil, pois exige dedicação, estudo, planejamento e reflexão, por isso, estamos preparando esse material com o objetivo de ajudá-lo.