Lição 4 - Saul: Somente ser escolhido não faz a diferença
4º Trimestre de 2020
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, trataremos do primeiro rei de Israel, Saul. Escolhido por Deus e ungido pelo profeta Samuel, Saul teria um futuro brilhante se não resolvesse desobedecer ao Senhor e fazer pouco caso das orientações do Eterno. Saul foi o homem escolhido pelo próprio Deus para inaugurar a monarquia em Israel. Todavia, essa escolha, como qualquer outra, não se torna plena se o escolhido por Deus não faz o que é possível para obedecer à sua vocação. Além da desobediência, ele optou por obedecer ao Senhor parcialmente e viu-se envolvido pelo ciúme e pela inveja. Saul perseguiu Davi, foi atormentado, consultou uma feiticeira e terminou os seus dias de forma triste, dando cabo da sua própria vida. Como veremos, o imenso projeto de Deus não possui predileção por pessoas que desprezam a obediência e que fazem pouco caso daquilo que o Senhor diz. Infelizmente, não são poucas as pessoas que preferem sair do caminho de Deus para seguirem outras trilhas, pagando um preço alto por isso.
I - UM INÍCIO SOBRENATURAL
A história do início da monarquia em Israel dá-se no livro de 1 Samuel. O livro dos Juízes registra que, após a morte de Josué, não havia uma liderança nacional reconhecida. Os juízes revezaram-se em diversas frentes, mas não como um governo administrativo e organizado. A falta de uma liderança mais centralizada provavelmente despertou nos israelitas o desejo de serem governados por um rei. As outras nações tinham reis que provavelmente organizaram administrativamente os seus Estados. Além disso, os filhos de Samuel, que poderiam dar prosseguimento ao ministério do seu pai, não eram pessoas confiáveis para liderar o povo. Diferentemente do pai, eles eram pessoas que se deixaram corromper, e isso foi um dos motivos que levou os anciãos a pedir a Samuel um rei.
2. Escolhido por Deus
Dizer que Saul não foi escolhido por Deus é uma declaração que precisa ser avaliada à luz das Sagradas Escrituras. De acordo com 1 Samuel, o povo pede um rei (8.5), cumprindo-se o que o Senhor havia predito em Deuteronômio 17, e Ele concede a realização desse pedido (8.22). A prerrogativa da escolha era de Deus. A orientação dada por Ele foi: Quando entrares na terra que te dá o Senhor, teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim como têm todas as nações que estão em redor de mim, porás, certamente, sobre ti como rei aquele que escolher o Senhor, teu Deus; dentre teus irmãos porás rei sobre ti; não poderás pôr homem estranho sobre ti, que não seja de teus irmãos. Porém não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais voltareis por este caminho. Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem prata nem ouro multiplicará muito para si. (Dt 17.14-17) O Eterno encarregou-se de revelar a Samuel quem seria o primeiro monarca dos hebreus: O Senhor o revelara aos ouvidos de Samuel, um dia antes que Saul viesse, dizendo: Amanhã, a estas horas, te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por capitão sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo da mão dos filisteus; porque tenho olhado para o meu povo, porque o clamor chegou a mim (1 Sm 9.15,16). Esses textos deixam claro que o Senhor conduziu as circunstâncias que levaram Samuel a entender que Ele havia escolhido Saul como rei de Israel. O texto ainda diz que Saul seria ungido para trazer livramento ao povo de Deus. Na perspectiva de Eugene Merrill: Conforme muitos estudiosos já observaram, a escolha de Saul foi mais baseada em dons carismáticos, bem mais ao estilo dos juízes, do que na linhagem dinástica normal, caracterizada pela entronização e sucessão. Ele não pertencia a qualquer linhagem especial — veio de uma pequena tribo, a tribo de Benjamim, e era filho de Quis, que embora sendo homem de aparência, certamente não possuía nem podia reivindicar qualquer grau de nobreza. 2 Duas questões precisam ser observadas com cautela no tocante ao que Merrill disse. A primeira é em relação aos dons carismáticos pelos quais Saul foi apontado para ser rei. Estamos falando de uma época em que a profecia e a revelação de Deus aos seus profetas era reconhecida e aceita. Dons carismáticos são apresentados nas Escrituras como uma forma de Deus falar com as pessoas e edificar a sua obra. Foi por meio de uma palavra da parte de Deus que Débora falou com Baraque e convocou-o para a guerra, e a Escritura não coloca em xeque que quem escolheu Saul para ser rei e revelou-o ao profeta Samuel foi o próprio Deus. Os testes para a profecia ser entendida como vinda de Deus eram simples: Quando profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de ti e te der um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio, de que te houver falado, dizendo: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos, porquanto o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, com todo o vosso coração e com toda a vossa alma. Após o Senhor, vosso Deus, andareis, e a ele temereis, e os seus mandamentos guardareis, e a sua voz ouvireis, e a ele servireis, e a ele vos achegareis. E aquele profeta ou sonhador de sonhos morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito e vos resgatou da casa da servidão (Dt 13.1-5) E se disseres no teu coração: Como conheceremos a palavra que o Senhor não falou? Quando o tal profeta falar em nome do Senhor, e tal palavra se não cumprir, nem suceder
Ser Escolhido somente não Faz Diferença sim, esta é palavra que o Senhor não falou; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele. (Dt 18.21,22) Se o profeta levasse o povo a afastar-se do Senhor, ou se profetizasse e não fosse cumprido o que havia falado, era, então, tido por falso profeta. O chamado carismático de Saul estava de acordo com a vontade de Deus, como veremos. A segunda questão, desta vez sobre a ordem dinástica, é o fato de que, para que haja uma dinastia, é necessário que haja uma sequência de reis vindos de um mesmo tronco familiar. Como Israel não tinha anteriormente esse tipo de liderança governamental, Saul foi o primeiro. Sempre é preciso ter um rei iniciando o processo que gerará uma dinastia. No caso de Saul, a dinastia não ocorreu porque Saul foi posteriormente rejeitado por Deus. É possível que Merrill esteja fazendo uma análise da perspectiva das nações em torno de Israel que poderiam ter dinastias. Entretanto, Saul foi o primeiro dos reis hebreus e, se tivesse permanecido obedecendo às orientações do Senhor, seria também o primeiro rei de uma dinastia. O certo é que Samuel, na escolha de Saul por Deus, atuou obedecendo orientações divinas, e rejeitar tal fato no processo de interpretação do texto é o mesmo que desprezar a própria orientação do Senhor a Samuel.
3. Sinais da sua Vocação
Para entendermos a importância do chamado de Saul, é preciso ver o que Samuel fala acerca da sua escolha. Entendemos que o Senhor não apenas falou com o profeta, certificando ao homem de Deus que aquela era a orientação divina. O próprio escolhido, Saul, precisava entender que fora chamado por Deus, e o Eterno deu-lhe claras mostras de que Ele estava conduzindo o início da monarquia em Israel por meio de Saul. Para Samuel,
“[...] o Senhor o revelara aos ouvidos de Samuel, um dia antes que Saul viesse, dizendo: Amanhã, a estas horas, te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por capitão sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo da mão dos filisteus; porque tenho olhado para o meu povo, porque o clamor chegou a mim (1 Sm 9.15,16).
Na sequência, após ser relatado que o Senhor havia falado com Samuel no dia anterior, ocorre o cumprimento do que Ele havia dito:
E, quando Samuel viu a Saul, o Senhor lhe disse: Eis aqui o homem de quem já te tenho dito. Este dominará sobre o 52 | Os Bons e Maus Exemplos meu povo. E Saul se chegou a Samuel no meio da porta e disse: Mostra-me, peço-te, onde está aqui a casa do vidente. E Samuel respondeu a Saul e disse: Eu sou o vidente; sobe diante de mim ao alto; e comei hoje comigo; e pela manhã te despedirei e tudo quanto está no teu coração to declararei (1 Sm 9.17-19).
Saul, em seguida, recebeu um lugar de honra numa refeição em que Samuel havia convidado 30 homens (1 Sm 9.22, 23). Porém Samuel tomou a Saul e ao seu moço e os levou à câmara; e deu-lhes lugar acima de todos os convidados, que eram uns trinta homens. Então, disse Samuel ao cozinheiro: Dá cá a porção que te dei, de que te disse: Põe-na à parte contigo. Após isso, Samuel diz que Saul foi escolhido por Deus (1 Sm 10.1) e acrescenta que as jumentas de Quis, pai de Saul, foram achadas (1 Sm 10.2). O motivo da empreitada de Saul chegara ao fim, mas a de Deus ainda não. Saul, após ser ungido, encontraria um grupo de profetas, juntar-se-ia a eles e profetizaria logo em seguida, tornando-se, assim, um novo homem (ver 1 Sm 10.5-7). A orientação divina era que, após esses sinais serem cumpridos, Saul saberia que o Senhor era com ele (1 Sm 10.7). Esses sinais seriam cumpridos no mesmo dia (1 Sm 10.9). Ou foram obra do acaso e de uma manipulação dos “dons carismáticos” de Samuel, ou foi o próprio Deus que conduziu cada detalhe para assegurar a Saul que a vontade do Eterno é que o benjamita fosse rei. A verdade é que o Senhor não apenas escolheu Saul, como também mostrou por sinais que Ele estaria com o primeiro rei de Israel. Saul, com tantos sinais, ainda assim teve dificuldades de ser visto imediatamente como um escolhido do Senhor. Não havia escolas para reis. Não houve sequer um rei de Israel antes de Saul. Ele precisou confiar e depender de Deus. Infelizmente, essa confiança e dependência duraram pouco no seu reinado.
II – ERRANDO NO MEIO
1. Uma Chamada Promissora?
Após ser ungido rei de Israel, Saul iniciou o seu reinado com uma campanha militar. Um homem chamado Naás, amonita, sitiou Jabes-Gileade e propôs que faria aliança com os homens daquela localidade caso eles Saul – Ser Escolhido somente não Faz Diferença | 53 arrancassem, cada um, o seu olho direito. Assim, a afronta cairia sobre Israel, uma forma de dizer que as localidades em Israel não estavam seguras e que qualquer um poderia tomá-las, pois não havia rei em Israel. A mutilação daqueles homens seria uma grande vergonha para a nação. Para que tal não acontecesse, a notícia dessa afronta chegou até Saul (1 Sm 11.6,7). A didática de Saul foi bem simples. Enviar pedaços de carne às tribos de Israel com aquela mensagem foi convincente. A resposta do povo foi à altura da afronta lançada. Saul reuniu mais de 300 mil homens, que atacaram os sitiantes amonitas e livraram Jabes-Gileade. O gosto da vitória foi tão grande que “todo o povo partiu para Gilgal, e levantaram ali rei a Saul perante o Senhor, em Gilgal, e ofereceram ali ofertas pacíficas perante o Senhor; e Saul se alegrou muito ali com todos os homens de Israel” (1 Sm 11.15). A vitória na campanha contra os filhos de Amom indicava que a monarquia em Israel havia começado bem. O Senhor abençoou com uma vitória a primeira guerra travada por Saul, e a sua liderança começou a ser reconhecida pelos hebreus. Como menciona Katie McKoy, Saul, ainda humilde, deu a Deus a glória pela vitória de Israel sobre os amonitas (vv 12, 13). Gilgal, como local onde os filhos de Israel puseram pela primeira vez os pés na Terra Prometida e erigiram um monumento a Deus pela libertação deles da escravidão do Egito (Js 4.19, 20), era um lugar apropriado para a celebração da vitória deles. Mas eis que Saul, posteriormente, deixou-se levar pelo seu próprio entendimento. Em todo momento de guerra, soldados precisam estar alimentados para que possam manter-se em combate e dificultar as coisas para o inimigo. Numa situação de guerra seguinte, Saul conjurou uma maldição a qualquer soldado do seu exército que se alimentasse naquele dia e condenou à morte o próprio filho, Jônatas, que não sabia da ordem do rei. Por misericórdia de Deus, Jônatas foi poupado pelo povo. Saul era dotado de uma séria falha de personalidade. Ele se inclinava a decisões precipitadas, quando sob pressão. Isso evidenciou-se no episódio em que Jônatas, seu filho, comeu um pouco de mel encontrado no campo, sem saber que seu pai impusera uma maldição a quem comesse algo durante a batalha. Isso provocou uma crise de autoridade e, quando o exército tomou o lado de Jônatas, para que ele não fosse vítima de uma palavra precipitada do rei, a crise de autoridade tornou-se uma crise de confiança, e Saul foi o perdedor.
2. Uma Desobediência Completa
Passado um ano do seu reinado, Saul entrou numa nova empreitada: lutar contra os filisteus. Os antigos inimigos de Israel armaram um combate contra os hebreus, e Saul deveria aguardar o retorno de Samuel para que o sacerdote oferecesse holocaustos ao Senhor e fossem ao combate. Entretanto, a impaciência de Saul foi mais forte que o seu senso de respeito pelo que Deus orientara. Ele mesmo ofereceu sacrifícios (1 Sm 13.9,10). O problema maior não era os filisteus no campo de batalha, e sim a precipitação do rei de Israel (1 Sm 13.13,14).
3. Uma Obediência Parcial
Em outra ocasião, o Senhor havia dito a Saul, por intermédio de Samuel, que o rei aniquilasse os amalequitas. Aquele povo seria julgado por Deus por causa dos seus maus procedimentos contra os filhos de Israel, e Saul recebeu a ordem para destruí-los. Mas o que o rei de Israel fez? Poupou o rei e separou o gado para oferecerem um “sacrifício” ao Senhor. Acontece que Deus não tinha pedido nada daquilo. A resposta do Eterno para Samuel foi: “Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras” (1 Sm 15.11). Saul até tentou apresentar desculpas para a sua atitude, só que o peso do seu julgamento é visto nas palavras de Samuel em 1 Samuel 15.22,23.
4. O Cântico das Mulheres
Outro cenário triste na vida de Saul e que mostra o quanto ele era suscetível à mudança de humor foi quando, após a morte de Golias por Davi, chegando este da batalha, mulheres receberam-no juntamente com os combatentes do rei com danças e um cântico bem distintivo: “Saul matou milhares, mas Davi matou dez milhares!”. Ao que parece, Saul não se sentiu incomodado com a vitória de Davi sobre Golias. O que Saul não gostou foi do canto das mulheres após a vitória de Davi sobre gigante, pois a música que cantavam atribuiu um valor maior para a vitória do adolescente e, consequentemente, uma vitória menor para o rei (1 Sm 18.6-9). Imagina a cena: Você chega do combate, e vêm mulheres cantando e dançando ao seu encontro com uma forma de celebração patriótica comum naqueles dias. É provável que o tipo de música que elas cantavam obrigasse-as a ficarem divididas em dois grupos, onde um grupo cantava que Saul havia matado milhares, e o outro respondia que Davi havia matado dez vezes mais. Esse tipo de manifestação deixou o rei de Israel bastante irritado. Pouco antes da batalha contra Golias, o Senhor já havia dito a Saul duas vezes que ele havia sido rejeitado por ter desobedecido a Deus (1 Sm 13.13,14 e 15.23). A mente irritada do rei fez as devidas contas: “O que falta para esse moço, senão o reino?”. O que Saul não percebeu é que o mesmo Deus que o escolhera já havia escolhido também o seu sucessor.
III – UM FIM DESASTROSO PARA O PRIMEIRO REI DE ISRAEL
1. O Preço de não se Ouvir e Obedecer a Deus
Deus claramente nos concede o poder da escolha, mas igualmente as consequências da responsabilidade. Ele não nos fez pessoas sem entendimento ou volição. Ter a capacidade de escolher obedecer ao Senhor ou não em nada fere a soberania de Deus, pois Ele permanece soberano. Quem perde a oportunidade de ser usado por Deus é quem rejeita o projeto divino para a sua vida. O destino de Saul estava decretado. A chance que ele tivera no governo foi mal aproveitada, e ele seria substituído.
2.Buscando Respostas no Mal
Saul, diante da batalha contra os filisteus, que seria a sua última, resolve procurar uma feiticeira para que lhe servisse de mediadora com o sobrenatural. Ele havia consultado ao Senhor, mas não obteve respostas por nenhuma das formas costumeiras (1 Sm 28.6). O preço a ser pago pela desobediência na liderança do povo de Deus foi o silêncio do próprio Senhor para com o rei. É intrigante saber que o silêncio de Deus não fez Saul busca-lo e obedecê-lo. Lamentavelmente, não são poucos os que buscam respostas de Deus sem querer buscar na mesma medida a sujeição aos desígnios dEle.
3.O Perigo da Feitiçaria
Não se pode ignorar que a feitiçaria não é uma prática nova. As sociedades antigas tinham os seus feiticeiros, e eles utilizavam-se dela para obter os seus desejos ou prejudicar pessoas tidas por desafetas. William Barclay comenta sobre a feitiçaria no primeiro século da era cristã:
Feitiçaria(s); Mar.: magia. A palavra farmakeia seguiu um processo de degeneração no significado. Farmakon é uma droga, e farmakeia é o uso de drogas. Há três etapas no significado da palavra. Farmakeia é usada como uma palavra médica sem o menor mau sentido. Platão fala dos diferentes tipos de tratamento médico; a cauterização, a incisão, o uso de drogas, a privação dos alimentos (Platão: Protágoras 354 A). Dá sua própria opinião de que as doenças não perigosas nunca devem ser complicadas ainda mais pelo uso de drogas (Platão: Timeu 89 B). A esta altura, farmakeia é simplesmente uma palavra médica para uso medicinal das drogas. ii. A palavra passa, então, a denotar o abuso das drogas, ou seja: o uso de drogas para envenenar e não para curar. Assim, lemos acerca da lei a respeito do envenenamento (Platão: Leis 933 B), e Demóstenes acusa um homem mau de envenenamento e de todos os tipos de vilezas (Demóstenes 40.57). Este é o começo do mau sentido da palavra. iii. Por fim, a palavra assume o significado de feitiçaria e bruxaria. É usada, por exemplo, repetidas vezes para os feiticeiros e mágicos egípcios que competiam com Moisés quando Faraó não queria deixar Israel ir (Êx 7.11, 22; 8.18; Sab. 7.12; 18.13); a magia, bruxaria e feitiçaria são pecados por causa dos quais Isaías prediz a destruição da Babilônia pela ira de Deus (Is 47.9, 12). A palavra completou um círculo inteiro. A partir do significado de uma droga que cura, veio a significar um envolvimento vicioso e maligno na bruxaria e feitiçaria. O cristianismo desenvolveu-se numa era em que o uso da feitiçaria e das artes mágicas era generalizado, e frequentemente com intenções criminosas. Sabemos pouca coisa, ou nada, no tocante à feitiçaria, bruxaria e magia nos primeiros séculos da literatura grega. Plínio tem uma história que diz que a magia foi introduzida na Grécia por certo persa chamado Óstanes nos tempos das guerras persas (Plínio: História Natural 30.1). A primeira referência à feitiçaria criminosa acha-se nos discursos de Demóstenes. No discurso contra Aristogeiton refere-se a Teoris de Lemnos, “a feiticeira imunda”, que foi devidamente executada por causa dos seus maus caminhos. Em Roma, já nos dias das Doze Tábuas, achamos um regulamento que Saul – Ser Escolhido somente não Faz Diferença | 57 proíbe a danificação das colheitas alheias mediante a feitiçaria (Sêneca: Questões Naturais 14.7). Mas foi perto do fim do Império que a magia se generalizou em Roma. J. R. Mozley escreve: “É impossível negar que neste período, tentativas eram feitas no sentido de lesar inimigos e obter vantagens particulares por meios sobrenaturais, de tal maneira que a magia era exibida como prática realmente malévola, senão também maléfica” (Artigo sobre Superstitio, em W. Smith: Dictionary of Greek and Roman Antiquities). Não são poucas as inscrições em túmulos para homenagear as pessoas cuja morte, segundo se declarava, tinha sido provocada pela magia. Uma delas diz: “Eunia Fructuosa jaz aqui. Morreu de modo imerecido. Paralisada por sortilégios, ficou deitada por longo tempo, de modo que seu espírito foi torturado violentamente até sair dela, antes de ser devolvido à Natureza. Os Fantasmas ou os deuses celestiais serão os vingadores deste crime” (C.I.L. 2756).5 Como se fosse pouco, Saul chegou a usar o nome de Deus para garantir que não iria punir a feiticeira que o atendeu: Eis que tu saber o que Saul tem feito, como tem destruído da terra os adivinhos e os encantadores; por que. Pois, me armas um laço à vida para me fazer matar? Então Saul lhe jurou pelo nome do Senhor, dizendo: Vive o Senhor, que nenhum mal te sobrevirá por isso (1 Sm 28.9,10).
4. O Fim de um Reinado
Saul termina a sua história dando fim à própria vida. Após deixar de ouvir as orientações de Deus, ele viu-se sozinho e cercado por inimigos. Perdeu três dos seus filhos na batalha e tirou a própria vida, dando fim à sua história de forma triste. Termina, assim, a história do primeiro rei de Israel, um homem escolhido pelo Senhor, mas que se perdeu no caminho por causa da desobediência.
CONCLUSÃO
Ser escolhido por Deus para uma obra ou ministério não nos isenta de andar conforme os padrões de Deus. Saul obteve do Senhor uma cha 5 BARCLAY, William. As Obras da Carne e o Fruto do Espírito. São Paulo: Vida Nova, pp. 35,36. 58 | Os Bons e Maus Exemplos mada, e sinais seguiram-se de que Deus havia-o escolhido. Entretanto, o que o fez perder o reino aos olhos do Eterno foi não andar de acordo com as orientações do Senhor. Não basta ter uma chamada de Deus. É preciso ser obediente a Ele em todo o tempo, pois isso certamente garantirá a presença e a orientação dEle conosco. A história de Saul poderia ter tido um final diferente. Ele poderia ser lembrado como um rei obediente a Deus e temente aos seus desígnios. A honra que ele recebeu para realizar a transição entre o período dos juízes e a monarquia foi obscurecida pela sua desobediência, pela precipitação, por inveja e por buscar o mal. Que possamos entender que ser vocacionado pelo Senhor tem o seu preço e que a obediência imediata às ordens de Deus e a comunhão com Ele garantem que sejamos bem-sucedidos em todos os nossos empreendimentos.