Lição 1 - Introdução às cartas aos Tessalonicenses
2º Trimestre de 2018.
Introdução
I-Sobre Relacionamentos que edificam
II-Primeira Carta aos Tessalonicenses
III-Segunda Carta aos Tessalonicenses
Conclusão
Professor(a), a lição deste domingo tem como objetivos:
Demonstrar que a Igreja pode e deve ser um ambiente de
relacionamentos saudáveis;
Apresentar e discutir as Epístolas de 1 e 2 Tessalonicenses;
Comparar o conteúdo, estrutura e finalidade de 1 e 2
Tessalonicenses.
Palavra-chave: Ressurreição.
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu
plano de aula, leia o subsídio abaixo:
“Estudar analiticamente um texto bíblico do Novo Testamento
é sempre um enorme desafio por vários motivos. Em primeiro lugar, porque
estamos cronologicamente distantes quase 2 mil anos de seu momento autoral; por
isso, o peso do estranhamento das práticas culturais, litúrgicas e sociais
torna-se mais evidente ainda durante a leitura deste. Temos ainda que lidar com
as especificidades linguísticas — pois o NT foi todo escrito numa versão
popular de um idioma antigo, o grego — que desembocam também em enormes
desafios para a compreensão literária da obra.
Lembremo-nos ainda que, no caso das epístolas aos
tessalonicenses, não estamos diante de apenas um texto, mas, sim, de duas
composições diferentes — apesar de ambas as correspondências serem,
provavelmente, de um mesmo autor e para uma mesma comunidade. Desse modo, seria
absolutamente incoerente utilizar-se de um mesmo conjunto de pressupostos
teóricos para fundamentar a análise dessas duas obras sem qualquer tipo de
distinção entre as mesmas.
Deve-se ainda levar em conta que os textos aos quais nos
propomos a discutir nas páginas a seguir são literatura do corpus paulinus.
Para tanto, faz-se necessário uma compreensão, mínima que seja, das
particularidades do pensamento do apóstolo dos gentios, de modo especial, no
início de sua produção epistolar. Pelo menos 1 Tessalonicenses, se é que não se
pode dizer o mesmo de 2 Tessalonicenses, é uma amostra histórico-literária de
uma genuína produção teológica paulina.
Sim, esse é outro desafio no estudo das epístolas aos
tessalonicenses: estas são produções literárias antigas, sendo uma delas
considerada o mais antigo texto neotestamentário presente no cânon bíblico. O
que isso implica na análise do texto? Dentre as possibilidades concebíveis de
serem apresentadas, estão, por exemplo: a escrita paulina nas epístolas aos
tessalonicenses — por ser a manifestação de um pensamento teológico em
construção — está desprovida de uma série de conceitos-chave abundantemente
presentes em outros textos do apóstolo, tais como justificação, a humanidade de
Cristo, a contraposição entre lei e graça, etc.
Há, por outro lado, temáticas centrais que, como demonstram
os textos, já estão presentes na gênese da teologia paulina: o Dia do Senhor,
redenção, santificação. Outras questões, como, por exemplo, a natureza
kerigmática da pregação e o debate sobre a kenosis do Senhor Jesus estão
presentes nessas epístolas, ainda que introdutoriamente se possa citar que, já
em 1 Tessalonicenses, Jesus é reconhecido como o Senhor, o kyrios da Igreja.
Por fim, outra questão extremamente importante de
considerarmos é o fato de que a produção epistolar é uma prática social
bastante comum naquele contexto histórico; tal informação deve levar-nos a
reconhecer a qualidade do relacionamento entre Paulo e aquela comunidade.
O que lemos em 1 e 2 Tessalonicenses não é uma produção
literária que se propôs a ser canônica já na sua origem — até porque, como bem
sabemos, o processo de reconhecimento canônico dos textos contidos no Novo
Testamento deu-se num momento histórico posterior1 e segundo regras que estavam
alheias ao conhecimento de Paulo2.Conforme afirma-nos Tenney:
O verdadeiro critério da canonicidade é a inspiração. [...]
(2 Tm 3.16,17). Por outras palavras, aquilo que foi dado por inspiração de Deus
era escriturístico, e o que não veio por inspiração de Deus não era
escriturístico, se “Escrituras” significarem o registro escrito da Palavra de
Deus revestida de autoridade. Se este critério for adotado como definitivo, há
que responder a próxima pergunta: “Como se demonstra a inspiração?” Os livros
do novo testamento não começam todos com a afirmação de que foram inspirados
por Deus. Alguns relacionam-se com assuntos muito vulgares, outros contém
enigmas históricos, literários e teológicos que só com dificuldade podem ser
resolvidos. Será possível demonstrar a sua inspiração a contento de todos? A
resposta a este problema é tripla. Primeiro, a inspiração destes documentos
pode ser apoiada por seu conteúdo intrínseco. Segundo, essa inspiração pode ser
corroborada pelo seu efeito moral. Finalmente, o testemunho histórico da Igreja
Cristã mostrará o valor que era dado a esses livros, se bem que a Igreja não
fizesse com que eles fossem inspirados ou canônicos. (TENNEY, 208, p. 428,429).
É importante reconhecer que a autenticação do caráter
canônico de um texto constituiu-se na coletividade, por seu uso comunitário e
popularidade entre os cristãos; tais fatos são tão verdadeiros que, durante
muito tempo, se discutiu a canonicidade de textos como a Didaché, Apocalipse de
Enoque, Evangelho de Tomé. O contrário também deve ser considerado, como, por
exemplo, as fortes críticas apresentadas por Martinho Lutero (1483–1546), em
pleno século XVI, à presença da Carta de Tiago no Corpus neotestamentário. Sobre
esse contexto, afirma-nos Cullmann:
De uma maneira geral, o cânone do Novo Testamento não se
formou, como se poderia supor, por adição, mas por eliminação. Ainda no início
do século II, foram redigidos não somente evangelhos apócrifos e atos dos
apóstolos, mas também um grande número de outros escritos cristãos (como os
escritos dos Pais Apostólicos). Esses, mesmo que não pretendessem remontar às
origens, não tinham, em princípio, uma autoridade inferior àquela dos escritos
que hoje fazem parte do Novo Testamento. (CULLMANN, 2015, p. 90).
Para deixar claro que esses conflitos com relação à
construção de um cânon não é um problema exclusivo do cristianismo, pode-se
citar o fato de que o conjunto de livros do Antigo Testamento, como conhecemos
hoje, só foi “canonizado” pela comunidade judaica por volta do século III d.C
(Moura, 2013).
Se 1 e 2 Tessalonicenses são textos sagrados, agora os
compreendendo para além da questão histórico-crítica da canonicidade e muito
mais próximo de uma concepção devocional das epístolas, isso se deve ao fato de
que Paulo, ao escrever àqueles irmãos, não fez isso de modo institucional ou
religioso, mas, sim, de maneira amorosa e fundamentalmente cristã. Não se
tratava de um técnico de assuntos religiosos transmitindo ordens a um grupo de
iniciados, mas, sim, de um líder, um amigo, um pastor, que pacientemente ensina
um grupo de novos convertidos a como proceder diante de dúvidas e questões que
afligiam o cotidiano daquela comunidade.
Características Gerais de Tessalônica
Fundada pelo general macedônio Cassandro no século IV a.C, a
partir da reunião de 26 províncias existentes, Tessalônica foi assim denominada
em homenagem à esposa deste monarca que se chamava de Thessaloniki3. A
geografia da região fez com que Tessalônica rapidamente se destacasse como
cidade portuária, tornando-a extremamente importante do ponto de vista
comercial para a região da Macedônia. Consequentemente, foram desenvolvidas
diversas rotas comerciais e militares; com destaque a Via Egnácia — estrada
construída pelo Império Romano para a interligação das províncias da Macedônia,
do Ilírico e da Trácia. Ainda sobre as informações geográficas de Tessalônica,
informa-nos Claro:
A par desta privilegiada localização, o mérito de
Tessalônica era potenciado pela excelência de recursos naturais de toda a
província: solos férteis e suficientemente irrigados, que aliados a épocas
estivais quentes e invernias severas, favorecia o cultivo de grão e frutos
continentais, bem como proporcionava pastagens abundantes aptas à atividade
pastoril. Em volta da cidade, as montanhas ofereciam a madeira necessária à
edificação de habitações e à construção de embarcações. Não seria de estranhar
que a atividade pesqueira tivesse larga predominância dada a localização na
orla costeira e a presença de rios e lagos por toda a província. O subsolo
oferecia a exploração de minerais nobres como o ouro, a prata e o cobre, bem
como o ferro e o chumbo. (CLARO, 2017, 11 e 12.).
Na tentativa de desvincular-se do poder de Roma, a província
da Macedônia como um todo se revoltou contra Roma em três episódios distintos
(214–205 a.C; 200–197 a.C; e 171–168 a.C), sendo subjugada todas as vezes. Com
as reformulações implantadas para manutenção da política imperialista de Roma,
Tessalônica passou a ser a capital da província da Macedônia a partir de 146
a.C. A partir de 42 d.C., Tessalônica torna-se sede de residência do procônsul
romano, ganhando, assim, status de cidade-livre sem nunca, todavia, ser de
fato. Sobre a população tessalonicense, Trimaille e Darrical defendem que:
A população de Tessalônica não era homogênea, a colonização
romana havia trazido famílias itálicas, juntaram-se também os orientais,
atraídos pela esperança de fazer fortuna (sírios, egípcios e judeus). Paulo
encontrou ali uma sinagoga, testemunho de uma melhor implantação judaica em
Tessalônica que em outros lugares. [...] Esse caráter cosmopolita da população
havia feito proliferar os cultos e as divindades. Várias inscrições que se
conservaram nos antigos monumentos demonstram que ali se veneravam pelo menos
vinte divindades. Convém recordar que [...] Dioniso era especialmente honrado
em Tessalônica, o qual tem sua importância para situar certas exortações em 1
Ts, isto porque este culto cristalizava, mais que os outros, as esperanças de
uma vida futura (cf 5.1-11). (TRIMAILLE, 1982, p.3,4).
Atualmente, Salônica, a moderna Tessalônica, é uma
importante cidade grega, destacando-se como forte centro universitário e
industrial. Pensemos, então, pormenorizadamente, a partir desse ponto, sobre os
aspectos gerais de cada uma das epístolas aos tessalonicenses, ressaltando as
características em comum, mas também as especificidades de cada um dos textos.
I – Sobre Relacionamentos que Edificam
Neste momento introdutório, dentre as várias análises
possíveis de serem feitas com relação à 1 Tessalonicenses, optar-se-á por
concentrar-se num aspecto referente à obra: o relacionamento entre Paulo e
aquela comunidade. Como se demonstrará ao longo deste comentário, apesar de não
ter vivido um longo período de tempo naquela cidade — e, por isso, ter
conseguido ampliar de maneira pormenorizada os laços com os tessalonicenses —
Paulo nutria uma enorme consideração por aqueles irmãos.
Pode-se fundamentar tal afirmação a partir do seguinte
argumento: tendo o apóstolo já realizado sua primeira viagem missionária — onde
visitou, pregou e fundou pelo menos seis comunidades cristãs, as quais foram
fortalecidas ainda no retorno antes do fim da viagem — e tendo anunciado o
evangelho em outras cidades já na segunda viagem missionária, é para
Tessalônica que Paulo endereça sua primeira carta.
Como defende Trimaille (1982, p. 13), há, nesse momento do
ministério paulino, uma forte ênfase na necessidade de vida em coletividade. Só
há cristianismo em comunidade; daí, a necessidade de obter notícias daqueles
irmãos e do andamento da vida de fé dos mesmos.
Durante a segunda viagem missionária de Paulo, especialmente
durante sua estada na Macedônia, a qual se fez por meio de uma inequívoca
revelação divina, estabeleceu-se — pelo menos, é o que entendemos por meio da
narrativa de Lucas — uma lógica para a implantação de igrejas: a) Anúncio do
evangelho; b) Fundação da igreja; c) Forte perseguição dos judeus; d) Saída
abrupta. Essa “lógica” por ser exemplificada com os casos de Filipos,
Tessalônica e Bereia.
Por tudo o que aconteceu na fundação da igreja em
Tessalônica — perseguição, oposição, acusação —, o coração pastoral de Paulo
preocupava-se enormemente com a possibilidade do fracasso espiritual daquela
comunidade; porém, qual não foi a surpresa do apóstolo ao receber notícias de
que aquela neófita comunidade ia bem. Nada, nem mesmo os problemas sociais ou
as recentes heresias, conseguem calar a alegria de Paulo, a qual transborda em
cada linha desta amistosa carta.
Assume-se, assim, uma chave hermenêutica para a leitura de 1
Tessalonicenses, que advoga a experiência da fé mútua, da confiança em Deus,
mas também uns nos outros, como elemento central desta análise. Concordamos com
Marques quando ele afirma que:
Tendo em mente o profundo significado que a Morte e
Ressurreição e Parusia de Cristo adquirem no Evangelho de Paulo, este estudo é
uma leitura de 1Ts sob o viés da confiança mútua entre os personagens por ela
envolvidos. É pela confiança em Paulo, Silvano e Timóteo que os tessalonicenses
confiam primeiro no Deus vivo e Verdadeiro em quem eles creem e a quem confiam
suas existências. Neste Deus Vivo e Verdadeiro os tessalonicenses passam a crer
com convicção a ponto de abandonarem seus ídolos (1Ts 1,9), e mais ainda, creem
no Senhor Jesus, que em sua Parusia virá libertá-los da ira futura do juízo
final (1Ts 1,10). O comprometimento dos tessalonicenses com o Deus Vivo e
Verdadeiro não poderia acontecer antes que os tessalonicenses tivessem
conhecido Paulo e seus colaboradores, Silvano e Timóteo. Os tessalonicenses
observaram seus evangelizadores: eles eram modelos de uma confiança inabalável
em Deus. Por outro lado, Deus mesmo mostrava sua confiança em Paulo e seus
auxiliares, porque por meio deles Deus realizou uma obra que homem algum
realizara antes em favor dos tessalonicenses. Por fim, convertidos, os
tessalonicenses imitam seus evangelizadores e se tornam, também eles,
evangelizadores da Macedônia e da Acaia (1Ts 1,4-10). (MARQUES, 2009, p.
15,16).
1 Tessalonicenses não é um texto institucional,
burocrático-religioso; esta primeira Escritura é uma manifestação
histórico-cultural da simplicidade do evangelho que se vivia naquele contexto
de cristianismo primitivo. A espontaneidade com que Paulo dirige-se àquela
comunidade identifica com clareza a natureza desinstitucionalizada das relações
cristãs em Tessalônica. Para alguns, como defende Luckensmeyer (2009, p.1) e
Claro (2017), por exemplo, isso seria o resultado de uma forte influência da
filosofia helenística em 1 Tessalonicenses, o que não é tão evidente em outras
epístolas paulinas que são posteriores, tanto pelo contexto histórico como
pelas evidências textuais. Segundo essa hipótese, a necessidade de cuidado e
proximidade de Paulo com aqueles irmãos justificou-se pela necessidade de
superar uma série de práticas idólatras que estavam diretamente associadas a
vivências do cotidiano da comunidade.
Um exemplo clássico da relação entre o cuidado de Paulo com
os tessalonicenses e a questão da cultura helenística pode ser identificado na
reticente abordagem da questão da ressurreição. Diante da variedade de cultos a
divindades, entre os quais ao egípcio Osíris e ao grego Dioniso, a questão da
ressurreição necessitava ser apregoada a partir de uma perspectiva cristã —
inclusive para superar o materialismo estoico e o indiferentismo epicureu, que
predominava entre os atenienses ali bem próximo de Tessalônica.
Por isso, Claro defende que:
[...] na comunidade de Tessalônica, a principal questão que
suscitava interpelação e dúvida não era tanto como seriam ressuscitados os
cristãos, mas fundamentalmente, como os vivos e os mortos tomariam parte no
evento escatológico. Por sua vez, Paulo não pretende explicar a transformação
dos corpos dos cristãos operada por tal evento (cf. 1Cor 15, 51-52; Fl 3,
20-21), antes a sequência dos momentos escatológicos, de forma a elucidar que
os mortos ressuscitarão em primeiro lugar de maneira a tomarem parte da parusia
de Cristo. (CLARO, 2017, p. 83).
As dúvidas dos tessalonicenses, segundo essa argumentação,
não se concentravam no conceito da ressurreição — diferentemente daquilo que
Paulo enfrentará em Atenas —, mas na maneira como se dará o Dia do Senhor.
Acreditar que mortos reviveriam era algo presente no mundo religioso dos
tessalonicenses, mas eles não compreendiam como se daria o encontro de vivos e
mortos no mesmo lugar. Percebe-se, assim, que, por meio de uma estratégia de
evangelização que partiu de elementos próprios da cultura do povo, Paulo
anuncia a genuína Boa-Nova aos tessalonicenses”.
.
*Este subsídio foi adaptado de BRAZIL, Thiago. A Igreja do
Arrebatamento: O Padrão dos Tessalonicenses para Estes Últimos Dias. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, pp. 15-24.
1 O reconhecimento da canonicidade dos textos do Novo
Testamento foi um processo que ocorreu de forma lenta, majoritariamente entre
os séculos II e IV d.C, como uma forma de preservar o cristianismo de uma série
de perniciosas heresias que se disseminavam no seio da Igreja. Assim, o
reconhecimento canônico dos textos ocorreu como uma consequência do caráter
autoritativo que estes já possuíam entre as comunidades cristãs. O cânone de
Marcião de Sínope e o muratoriano são exemplos de antigas listas que buscavam
elencar a literatura cristã primitiva que deveria ser reconhecida com valor de
Escritura Sagrada. Já no século XVI, durante o Concílio de Trento — como uma
reação institucionalmente organizada da Igreja Católica contra os efeitos da
Reforma Protestante —, uma lista de livros canônicos será oficialmente
apresentada.
2 Para ser considerado canônico, o texto teria de ser de
autoria apostólica, estar compatível com os ensinamentos apostólicos e ter
autoridade apostólica. Percebe-se, assim, um comprometimento com uma tradição
apostólica, com o intuito óbvio de referendar comunitariamente a veracidade de
um determinado escrito.