Lição 3 - Divisões na Igreja
2º Trimestre de 2021
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
DIVISÕES NA IGREJA
A confiança do apóstolo na fidelidade de Deus, vista no capítulo anterior, dava-lhe segurança para lidar com os problemas da comunidade cristã em Corinto de maneira mais otimista e realista. Deus esteve constantemente abençoando os coríntios, e agora eles precisavam urgentemente de orientação firme do apóstolo. A partir do versículo 10, o apóstolo inicia o assunto que mais o preocupava no momento da escrita: as divisões internas da comunidade. Por causa disso, ele descreve sobre os prejuízos que elas podem trazer para a comunidade cristã, como a formação de grupos rivais com base em preferências pessoais de liderança. Paulo traz sérias advertências do perigo de tentar substituir os méritos da cruz de Cristo pela busca da ostentação e orgulho pessoal.
Uma exortação com amor e humildade para não causar mais dissensões (1.10a)
As cartas enviadas aos coríntios, juntamente com a carta enviada aos gálatas, expressam bem a disputa que o apóstolo Paulo conviveu ao longo de seu ministério com os grupos que contestavam seu chamado e sua mensagem pelos mais diversos motivos. Fisk (2018, p. 342) fornece um bom resumo, em três passos, para demonstrar a situação entre Paulo e a comunidade cristã em Corinto no momento da escrita deste texto:
Paulo, junto com Silvano e Timóteo (2 Co 1.19), passa um ano e meio pregando em Corinto (50-52 d.C.) e fundando a igreja coríntia (At 18.1-18). De acordo com Atos 18.12, essa visita coincidiu com o período de Gálio como governador provincial (de julho de 51 a junho de 52). Paulo, durante esse período, recebe alguma ajuda financeira externa (Fp 4.14-16) para completar a renda conseguida por ele mesmo (1 Co 9.3-18), mas não recebe nenhuma ajuda dos próprios coríntios (1 Co 9.12,15-18; 2 Co 11.7-9). 2. Paulo envia à igreja sua carta anterior (agora perdida) que, em parte, foi entendida de forma equivocada ou desconsiderada (1 Co 5.9-13). 3. Os membros da família de Cloe vieram até Paulo com as informações sobre os problemas em Corinto (1 Co 1.11,12; 5.1, 2; 11.18).
Paulo foi uma pessoa dedicada e comprometida com a pregação do evangelho com vistas à conversão da maior quantidade de pessoas possível, independentemente dos sacrifícios que ele tivesse de fazer. No resumo anterior, fica evidente que o apóstolo não conseguia manter-se com o próprio trabalho de fazer tendas junto com o casal Priscila e Áquila. Os coríntios não se comoveram com a sua situação, a ponto de ele receber ajuda da comunidade de Filipos enquanto estava pastoreando a comunidade cristã em Corinto. Para a cultura grega, o trabalho operacional era desprezível, destinado aos escravos e pessoas sem instrução. O fato de Paulo trabalhar para sustentar-se, na visão desses coríntios, desqualificava-o como líder. Todavia, esse desprezo e falta de apoio não desanimaram o apóstolo ou tirou a sua simpatia pela comunidade; pelo contrário, ele continuou amando-os como se fossem sua própria família. A partir desse momento na carta, ele dispõe-se a interagir de forma mais enérgica com alguns membros, depois de receber as notícias de partidarismo e divisões no meio da comunidade. Exortar pessoas e orientar sobre como algo deve ser feito não é uma tarefa agradável, e poucas pessoas propõem-se a fazê-la. Paulo era motivado pelo amor ao Evangelho de Cristo, que o havia transformado e mudado completamente sua vida. A exortação é uma característica típica do gênero literário “carta ou epístola”. Quando Paulo fazia uma exortação, geralmente era para iniciar o aprofundamento de um aconselhamento pastoral. Ele faz algumas exortações e orientações em forma de conselhos sobre o comportamento adequado aos cristãos dentro de sua comunidade. Como fundador daquela comunidade cristã, devia ser muito duro para ele exortar aquelas ovelhas, mas era necessário. As pessoas têm a tendência de preferir relacionar-se com as demais nos momentos descontraídos e que não precisam ficar controlando nada e nem ninguém. No entanto, as dissensões estavam trazendo prejuízos sérios à comunidade; algo precisava ser feito. Para exortá-los, primeiramente Paulo toma uma atitude humilde, não com imposição autoritária, por isso ele inicia com a frase “Rogo-vos”, chamando-os de irmãos, que sugere uma expressão de comunidade fraternal. Por fim, evoca a autoridade do nome de Jesus: “pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.
As dissensões prejudicavam a unidade da igreja (1.10b)
Paulo havia ensinado aos coríntios o modelo de vida das primeiras comunidades cristãs, que tinham como principal característica a unidade no ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações (At 2.42-47; 4.32-35; 5.12-16; 9.31ss; 12.24ss). Entretanto, a comunidade era nova, e seus membros estavam acostumados com o modelo das sociedades romanas e gregas, organizadas a partir de cima (poderosos, cultos, pessoas de projeção). O apóstolo sempre lutou para manter a harmonia entre diferenças existentes dentro das primeiras comunidades cristãs. Ele certamente sofria com os diversos desentendimentos ao longo do seu pastoreio. Todavia, o apóstolo não podia esmorecer; tinha de tomar uma atitude e continuar conscientizando os membros das comunidades cristãs sobre o valor da unidade da igreja. Paulo estimula seus leitores a retomarem a harmonia, buscando a concordância entre eles de tal forma que tivessem uma só voz. Ele incentiva que haja uma harmonia recíproca tanto na mente como na vontade. O funcionamento da Igreja de Cristo deve ser semelhante ao do corpo humano, ainda que limitado, criado perfeitamente por Deus e que reflete a unidade e a harmonia entre seus membros (1 Co 12.12-27). Paulo utiliza a palavra grega katartizein para demonstrar que Deus quer restaurar a harmonia dos membros da comunidade que estavam distanciados e divididos, tornando possível um julgamento ou opinião em consenso, na busca de uma harmonia perfeita, visando o bem da coletividade e a renúncia às atitudes divisionistas que estavam ocorrendo na igreja. O que Paulo almejava para a comunidade era uma vida comunitária solidária, que eles continuassem a viver juntos e em paz, que pensassem sobre a importância da unidade de forma que esta seja a motivação de todas as ações coletivas e individuais. Trata-se de uma harmonia tanto na doutrina quanto nos esforços e disposição para a coletividade. Para que haja harmonia, é preciso predisposição para tal.
Paulo identifica o problema e a fonte de sua informação (1.11)
Paulo expõe diretamente o problema “contendas entre vós” e não esconde a fonte: “me foi comunicado pelos da família de Cloe”. Geralmente, as pessoas gostam de expor os problemas de forma anônima, assim não precisam comprometer-se. Cloe aparece somente uma vez no Novo Testamento. Não há informações adicionais sobre ela e sua família. Tem quem defenda que ela poderia ser moradora de Éfeso, local de onde Paulo estava escrevendo a carta, sendo uma comerciante e que seus empregados (família, escravos e livres) transitavam entre Corinto e Éfeso. Todavia, o texto indica que ela e sua família eram conhecidas pela igreja. Cloe provavelmente era uma senhora respeitada, do mundo gentílico, comprometida com o Reino e, por estar sofrendo com a situação da igreja, comunica ao apóstolo. Certamente, ela fez isso pela confiança no chamado e autoridade outorgada por Deus a Paulo.
Há uma grande diferença quando alguém comunica algum problema à liderança por inveja ou para prejudicar alguém enquanto há uma comunicação visando o bem comum. Quando o assunto é tratado diretamente, como Paulo o fez, e citando as fontes, comprova-se que o fato não é um boato, mas algo público e notório. A informação deu origem aos quatro primeiros capítulos da carta, que tratam das dissensões que estavam prejudicando a pregação da Palavra e o crescimento da igreja. Paulo novamente trata os seus leitores como “irmãos meus”, abordando o problema interno como uma família fraterna, com carinho e autoridade pastoral. Paulo tinha a intenção de resolver o problema de divisão que não se menciona o tempo que estava acontecendo ou se era algo permanente. Todavia, essa era uma atitude característica da própria sociedade, e a cultura de disputas e divisões estava sendo transferida também para a igreja. A cultura grega favorecia esse tipo de acontecimento, porém Paulo quer demonstrar que esse comportamento não é adequado para ser reproduzido dentro da igreja; ele favorece o relacionamento mais amigável e sob a coordenação dos líderes oficiais para tratar as diferenças de qualquer tipo que possa surgir na igreja. Paulo trata o assunto com a seriedade de que necessita, com o objetivo de contornar a situação com informação verídica e com o envolvimento de todas as pessoas que faziam parte da comunidade cristã de Corinto.
O Partidarismo na Igreja (1.12)
Tratamento inadequado das diferenças de opinião A palavra grega “eris”, traduzida por contenda, utilizada no versículo 11, significa discussão e discórdia. A maioria dos membros da comunidade de Corinto havia perdido a percepção de que Cristo deve ser o centro de todas as coisas e faltava habilidade para lidar com opiniões diferentes, visando, ao mesmo tempo, a manutenção da harmonia dos envolvidos. A diversidade de opiniões pode ser benéfica, desde que não seja motivo de dissensões e ofensas às pessoas com ideias diferentes. O cristianismo era uma novidade em Corinto, cidade acostumada a receber pessoas de várias culturas. A nova ideia influenciava o contexto social, mas também era influenciada ao contextualizar-se. A igreja era heterogênea (classes sociais, pluralismo religioso, conflitos éticos e morais, entre outras diferenças), e, ao que parece, alguns viam na nova comunidade a possibilidade de ter mais influência sobre os outros (tendências imperialistas) por pura ambição. Todavia, as comunidades cristãs vieram com uma nova forma de organização e estilo de vida. O que prevalecia era a coletividade e a busca pela igualdade de oportunidades, pelo menos diminuir as diferenças. Paulo busca o resgate do modelo de gestão de Cristo. Contudo, não dá para atribuir esse comportamento somente para a comunidade cristã de Corinto. A contraposição de modelo de gestão na convivência era predominante em todo o território romano, e é evidente que, em algumas regiões, devido a características peculiares, eram mais ou menos que outras. Por isso, Corinto, conforme as informações já vistas na primeira lição, era um local onde esses comportamentos eram mais acentuados do que em outros locais. Nas primeiras comunidades cristãs, isso também fica evidente ao ler as cartas do Novo Testamento, embora não seja um problema exclusivo. Em sua segunda viagem missionária, em Corinto, Paulo depara-se pela primeira vez em seu ministério pastoral com um confronto interno acentuado, pessoas insubmissas ou mesmo judeus atraídos por Jesus, porém sem a mesma liberdade em Cristo como o apóstolo. Paulo sabia que teria de tratar o assunto, pois se fazia necessário uma cultura de tratamento adequado das diferenças de opinião sob a direção do Espírito Santo.
Formação de grupos rivais
Como resultado das dissensões, a comunidade acaba por dividir-se em quatro facções (grupos de Paulo, Apolo, Pedro e Cristo). Cada uma delas seguiu o seu pregador e líder preferido. Paulo, Apolo e Cefas não queriam o poder pelo poder, mas lideravam visando a confirmação do Reino de Deus. Por exemplo, Apolo estava com Paulo em Éfeso na época da escrita da carta (16.12). Há líderes que buscam influência por ambição e até conquistam seguidores, mas não para Cristo. Por outro lado, existem líderes bem intencionados, mas alguns de seus seguidores podem buscar em sua liderança formas de obter controle sobre os liderados e até ocupar o lugar do seu líder. Parece que era isso que estava acontecendo: usavam o nome de Paulo, Apolo, Pedro e até de Cristo para formarem grupos rivais devido à ambição pelo poder e supremacia por suposto conhecimento privilegiado. Talvez estivessem influenciados pela cultura de veneração a heróis da mitologia grega e do culto a personalidades, que influenciam cristãos até os dias de hoje. Paulo não se aliou nem mesmo àqueles que se diziam seus seguidores exclusivos. Outro líder em seu lugar poderia ter até desejado saber se existia algum grupo de pessoas defendendo o seu apostolado e sua liderança. No entanto, diferentemente de muitos líderes de sua época e da época atual, o apóstolo não se deixou levar pela possibilidade de controle e de dominação. A formação de grupos rivais não interessava a Paulo, assim como não deve interessar a nenhuma pessoa que esteja interessada no crescimento do Reino de Deus. É evidente que existem pessoas que extrapolam a questão do bom senso e acabam com as possibilidades de harmonia entre os liderados, mas essa não era a situação de Paulo. O apóstolo, em momento algum, nem em Corinto ou qualquer outra comunidade cristã fundada ou cuidada por ele, deu a entender ou trouxe qualquer ensinamento que priorizasse uma liderança em detrimento da outra, de um grupo em detrimento de outro. Paulo estava ciente de que esse comportamento de formação de grupos rivais estava prejudicando o bom andamento da igreja e dificultando a pregação do evangelho. Infelizmente, ao longo da história da igreja, esse comportamento foi reproduzido e continua até os dias atuais. Paulo não se esquivou de tratar o problema em nome do amor ao evangelho e ao Reino de Deus. Há problemas que são difíceis de tratar, mas não podem ser ignorados devido aos impactos que podem trazer para a igreja.
Os tipos de grupos rivais
O apóstolo não comenta sobre as peculiaridades de cada grupo, mas que cada um identificava-se com um dos quatro dos principais líderes da comunidade. Pelo contexto, parece que se baseavam no líder que os havia batizado. O apóstolo não menciona se toda a comunidade estava envolvida em algum tipo de grupo rival, o que parece improvável. Possivelmente, a maioria estava envolvida, porém não podemos crer que todos os membros da comunidade estavam “cadastrados” em um dos grupos e tomavam-no como a sua bandeira. Uma coisa é certa: todos os membros estavam envolvidos no resultado desastroso que esse procedimento causava. Em um grupo social, é normal um pequeno grupo mais incisivo e dinâmico acabar influenciando os demais, a ponto de, às vezes, muitas pessoas participarem de certos grupos e nem saberem o motivo. Infelizmente, isso não é diferente na igreja. Diante disso, é importante o cristão saber sempre em quê e com quem está se envolvendo e qual o verdadeiro objetivo de tal movimento e atitude. Os partidários de cada um dos grupos guiavam-se pelo estilo de ministério e liderança do líder preferido ou escolhido. Com base nisso, é possível conjecturar as especificidades de cada grupo: a) grupo de Paulo – os primeiros cristãos, principalmente os gentios e os devotos do judaísmo convertidos ao cristianismo; b) grupo de Apolo – membros que se converteram e entusiasmaram-se com seu estilo eloquente; c) grupo de Pedro – judeus de origem legalista e farisaica; d) grupo de Cristo – aqueles que se achavam mais santos do que os outros, com base na justiça própria. A preferência ou identificação por alguém é natural. O perigo é quando essa relação torna-se motivo para achar-se superior e classificar as outras pessoas como inferiores, para a prática de exclusão e o afastamento daqueles que não têm a mesma preferência ou identificação. Quem não se familiariza ou se simpatiza mais com um líder do que com outro? Quem não gosta mais de ouvir um estilo de pregação do que outro? Todavia, isso não precisa virar um cabo de guerra. O cristão deve tratar e ouvir a todos com o mesmo respeito e de tudo tirar o que se tem de melhor.
As Divisões e seus Perigos (1.13-17)
O perigo de tentar abafar os méritos da Cruz de Cristo (1.13) Paulo, após falar sobre a formação dos grupos rivais, aponta para a possível causa das discórdias entre eles. Parece que estavam “idolatrando” o fato de serem batizados por determinada pessoa, valorizavam mais o ser humano que os havia batizado do que o próprio sacrifício de Cristo (Rm 14.9; 1 Co 7.23). Paulo é categórico: “Está Cristo dividido? Foi Paulo crucificado por vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?”. O questionamento do apóstolo é direto: “Está Cristo dividido?”. Como se dissesse que, para atender à nova realidade da igreja em Corinto, Deus precisaria recortar o Corpo de Cristo em pedacinhos para justificar cada um dos grupos formados dentro da igreja. Isso, se Deus fosse sujeitar-se aos desejos pessoais, como se a pessoa fosse mais importante do que Ele, com poder para determinar como o próprio Criador deve gerir o Universo e o mundo espiritual. A abrangência do questionamento paulino não é percebido por alguns leitores da carta. Uma pessoa que tem o seu corpo dividido não sobrevive; na realidade, é um estado de quem está morto. Evidente que toda analogia e figura que se utiliza de forma comparativa têm suas limitações, principalmente quando se compara o mundo material com o imaterial, o humano com o espiritual. Todavia, seguindo a metáfora do corpo utilizado por Paulo, comparando o Corpo de Cristo com a igreja, ele está dizendo que, se os coríntios tratassem a igreja como um corpo dividido, ela não subsistiria diante dos desafios daquela sociedade. O sacrifício de Cristo é o único eficaz para a justificação da humanidade. É o único e perfeito sacrifício aceito por Deus para remissão dos pecados. Essa era a causa do batismo de todo cristão. Eles estavam sendo batizados em memória do sacrifício de Cristo, sua morte e ressurreição, simbolizando a morte de “velho homem” e a ressurreição como “nova criatura”. Paulo mais uma vez é direto e incisivo. É como se ele questionasse: “Vocês estão pensando que eu, Apolo e Cefas fomos crucificados e oferecemos um sacrifício perfeito como o de Cristo para a vossa justificação? Vocês foram batizados em nosso nome ou em nome de Cristo?”. Na realidade, eles estavam tentando abafar os méritos da morte de Cristo na cruz com a “adoração” de seu “líder preferido”, e Paulo revela esse absurdo! Nos dias atuais, esse fato que aconteceu em Corinto tem-se repetido, algumas vezes por presunção e por orgulho de alguns líderes; outras vezes são promovidos por seguidores fanáticos. Juntam-se a esses os seguidores, dentre eles pessoas em busca real e sincera de Deus, e outros em busca de satisfação própria. Esses líderes ou falsos seguidores de Cristo subestimam o sacrifício de Jesus, o único que morreu na cruz e tem o poder para restaurar o ser humano com Deus.
O perigo de ser um narcisista pós-moderno (1.14-16)
Paulo faz um agradecimento que causa espanto e pode ser mal interpretado. Ele dá graças a Deus por ter batizado apenas algumas pessoas da comunidade: Crispo, ex-chefe de sinagoga (At 18.8), Gaio e a casa de Estéfanas. Ele descreve o motivo (v. 15) para que ninguém se vangloriasse por ter sido batizado por ele. Pode-se ter a impressão de que o apóstolo estava revoltado e ofendendo os seus leitores; todavia, na realidade, ele está mais uma vez sendo direto e claro. Diante do comportamento dos coríntios, de ficarem idolatrando os líderes que os batizaram, como se o batismo fosse diferente ou mudasse o status diante de Deus e das pessoas, dependendo de quem o realizasse, Paulo afirma que não gostaria de ter seu nome relacionado a tal comportamento. Se ele tivesse batizado várias pessoas, estas também poderiam estar usando o seu nome para vangloriar-se disso. A atitude de Paulo dá a entender que as pessoas batizadas por ele, que são mencionadas, entenderam o verdadeiro significado do batismo e glorificavam a Deus pelo resultado que era simbolizado pelo batismo, a justificação por meio do sacrifício de Cristo. O apóstolo não tinha a preocupação de manter o controle sobre as pessoas que se convertiam por intermédio dele para benefício próprio. A era atual, denominada como pós-moderna, tem como característica ter uma sociedade narcisista, que busca de forma desenfreada a satisfação dos próprios desejos e considera os outros meros objetos e meios de alcançar fins egoístas. Paulo seguia o modelo de Cristo, que amava as pessoas e usava os objetos. Ele não buscava ser “adorado” pelas pessoas, mas centralizava tudo em Cristo.
O perigo de pregar o evangelho por ostentação (v. 17)
A sociedade de Corinto, influenciada pela cultura helenista (grega), valorizava em excesso o valor do conhecimento como forma de ostentação. Uma das principais preocupações do apóstolo nesta carta, como em outras do mesmo período dirigidas ao ambiente fortemente influenciado pela cultura helênica, era o entusiasmo pelo “sedutor fascínio da retórica sofista, com sua programação de autopromoção, sua promessa de reconhecimento público e seu talento para produzir as facções” (FISK, 2018, p. 345). Essa busca pelo conhecimento que provesse forma de ostentação não era somente uma característica dos oponentes do apóstolo, mas também uma cultura que prevalecia no ambiente grego. A carta de Paulo evidencia que esse sentimento ainda estava presente entre membros da igreja. Paulo não confiava na “sabedoria de palavras”, mas na pregação do evangelho que havia transformado sua vida e era a força transformadora que movia a comunidade cristã. Fisk (2018, p. 345) afirma que o grande desafio de Paulo era “se manter firme contra os oradores profissionais e debatedores de improviso sem trair as fraquezas da mensagem que ele fora chamado a proclamar, e sem ceder sob a pressão diária que ele sentia em relação a todas as igrejas (2 Co 11.28)”. Paulo era conhecedor das técnicas de oratória, mas tinha uma característica mais reservada, diferentemente de Apolo, como veremos em capítulos posteriores. Essa característica de Paulo era explorada pelos seus opositores, desprezando seu estilo por não ser empolgante diante dos critérios gregos. O objetivo do apóstolo Paulo era passar a mensagem de uma forma simples, em especial no ambiente interno da igreja, que era formada, na sua maioria, por pessoas simples. Ele não poderia falar para uma minoria de intelectuais da igreja e deixar os demais ouvindo sem entender o que se estava falando, como era o costume secular. Ele não tinha como ocupação principal buscar a aprovação de seu estilo e a busca de autopromoção. As cartas paulinas e os relatos do livro de Atos apresentam um Paulo com objetivo bem definido quanto à simplicidade da pregação do evangelho. Ao contrário, é comum no meio evangélico ouvir pregadores confiando em sua capacidade: “Eu preguei em tal lugar, e tantos foram convertidos, e tantos foram batizados no Espírito Santo, [...]”. Pregadores que mudam o tom de voz, diferente de seu natural, para imitar pregadores de projeção nacional e internacional. Utilizam de técnicas de oratória não apropriadas para um púlpito de igreja, sempre com vistas à sua projeção pessoal de autoperformance. Pregadores com esse comportamento, em sua maioria, não possuem um preparo teológico adequado, não respeitam o texto bíblico e tentam utilizá-lo de acordo com seus objetivos e metas pessoais. Se for para fazer assim, melhor é ficar sentado e ouvir quem realmente tem experiência com Cristo e compromisso com a Palavra de Deus. De outra forma, o prejuízo será para a própria pessoa, as pessoas à sua volta e seus ouvintes desatentos para a intenção do preletor. A pregação do evangelho não é para projetar pregadores e nem para benefício próprio, mas para aplicação da eficácia da cruz de Cristo. O beneficiado deve ser aquele que nEle crê, pois o evangelho “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).