Lição 02 - Ação de Graça pela Igreja de Corinto
2º Trimestre de 2021
Para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio de autoria do pastor Natalino das Neves, comentarista do trimestre.
AÇÃO DE GRAÇAS PELA IGREJA DE CORINTO
Paulo inicia a carta com as saudações, de forma fraternal e agradecendo a Deus pela vida dos coríntios. O amor do apóstolo pela comunidade fala mais alto do que sua insatisfação com alguns comportamentos internos. Antes de falar sobre os problemas, o apóstolo registra uma das características da igreja, que era a abundância de dons.
I. Saudações de Paulo à Igreja (1.1-3)
O autor da carta apresenta-se e justifica seu chamado (1.1) Segundo Brown (2004, pp. 554-561), na época do apóstolo Paulo, existia certo padrão de escrita para as correspondências. Elas geralmente começavam pelo “endereço”, que compreendia os nomes do remetente, do destinatário e as saudações, seguido do “proêmio”, a segunda seção da carta, que poderia ser formulada como uma ação de graças ou como doxologia, envolvendo descrições da situação do remetente e da condição do destinatário. Após a apresentação dos assuntos expostos no corpo da carta, a correspondência era encerrada com uma saudação final e a despedida. Paulo não inventa um modelo novo para escrever; pelo contrário, ele segue o modelo existente, favorecido pela sua boa formação. No entanto, nem sempre Paulo escrevia pessoalmente suas cartas. Ele fazia uso de outro costume da antiguidade, comum tanto nas casas comerciais quanto nas famílias mais abastadas, que tinham à sua disposição um escravo bem instruído para redigir as correspondências, que eram ditadas pelos seus senhores. O nome desse escriba profissional era “amanuense”. Paulo não escreveu a Carta aos Romanos com as suas próprias mãos, mas ditou-a para o copista Tércio, provavelmente conhecido dos irmãos da igreja de Roma, pois ele aproveita para enviar-lhes saudações (Rm 16.22). Quando Paulo escreve aos coríntios (1.1), de início demonstra que ele não trabalhava sozinho; o irmão Sóstenes estava com ele. Sóstenes era o antigo chefe da sinagoga de Corinto, que se converteu a Cristo e foi espancado pelos judeus diante do tribunal romano por defender a Paulo (At 18.17). Enquanto Paulo escreve a carta em Éfeso, Sóstenes continua ao seu lado para ajudar a comunidade cristã com seus problemas. Mais à frente, iremos ver que Paulo sempre delegava atividades e responsabilidades aos seus auxiliares como Apolo, Timóteo, Silas e Tito. A amizade verdadeira é algo muito precioso na vida de uma pessoa e deve ser cultivada desde a tenra idade para que se mantenha ao longo da vida. Ela é como um tesouro a ser preservado. Paulo, como costume em outras cartas (Gl 1.1; Rm 1.1), faz questão de defender seu apostolado e a origem divina de seu chamado, pois na comunidade também surgiram alguns falsos mestres que constantemente tentavam manchar a imagem do apóstolo e o valor de sua mensagem. Ele faz questão de destacar que seu ministério era da vontade de Deus. A convicção do chamado dá a garantia na excelência no exercício do ministério cristão.
II. Paulo dá Graças a Deus pela Obra de Cristo na Vida dos Coríntios (1.4-9)
Paulo, como era seu costume, inclui no início de sua carta ações de graças a Deus pela obra de Cristo na vida de seus ouvintes. O hábito de orar pelas pessoas desenvolve em quem ora o sentimento de empatia, de colocar-se no lugar do outro. A pessoa que ora com sinceridade diante de Deus tem a tendência de ter um melhor relacionamento interpessoal. Paulo estava com o coração abatido pelas informações que havia recebido sobre a situação da igreja em Corinto, mas, antes de tudo, ele reconhece o valor da obra de Deus na vida daquelas pessoas. Elas haviam aceitado a mensagem do evangelho e estavam buscando uma nova vida com Deus. Paulo dá graças pela conversão e a fé em Cristo dos coríntios, fruto de suas pregações e testemunho de vida transformada na convivência de 18 meses naquela comunidade. O estilo de vida da cidade era um grande desafio para a manutenção de uma vida exemplar. Paulo, mesmo diante das diversas falhas demonstradas pelos membros da igreja, era grato pela permanência do grupo de fiéis. Ele distingue três pontos importantes: o enriquecimento na Palavra, no conhecimento experiencial de Deus e o testemunho de Cristo confirmado neles. O apóstolo conhecia bem o poder do evangelho para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). A cultura e os costumes da cidade eram um grande desafio para os membros da igreja, e o apóstolo dá uma mensagem de ânimo para seus liderados. No meio da comunidade, estavam acontecendo muitas falhas e comportamentos inadequados; contudo, o apóstolo não poderia desistir deles. Pelo contrário, ele tinha consciência de que deveria dar graças a Deus pela obra de Cristo na vida daquelas pessoas, porquanto ele também pensava conhecer a Deus e precisou ter sua vida totalmente transformada pelo amor de Cristo. Além do mais, não eram todas as pessoas da comunidade envolvidas nas divisões e dissensões; pelo que tudo indica, na sua maioria, eram as pessoas com melhores posses e condições educacionais e culturais segundo o critério humano.
Paulo inclui um alerta de fidelidade em suas ações de graças (1.7b,8) O reconhecimento e as ações de graças pela vida e fé dos destinatários preparam o caminho para o que estava por vir. Alguns teólogos afirmam que as palavras amáveis de Paulo eram uma forma de ironia, mas essa não parece ser a intenção. Paulo realmente vai preparando o coração dos ouvintes para expressar suas preocupações com as informações recebidas sobre o comportamento interno na comunidade. Eles ainda estavam no início da caminhada cristã e faltava-lhes maturidade espiritual. Paulo faz menção da promessa do arrebatamento e cita o Dia do Senhor. Esse “Dia” tem um significado teológico muito impactante. No Antigo Testamento, a expressão “o Dia de Iahweh” apontava para o dia do juízo de Deus (Jl 3.14; Am 5.18-20). No Novo Testamento, a expressão refere-se ao regresso de Cristo, ou seja, a parúsia (Fp 1.6,10; 2.16; 1 Ts 5.2). De certa forma, o arrebatamento também é uma forma de juízo, pois quem não está preparado não será arrebatado. Por outro lado, para quem está dentro da vontade de Deus, será um dia de gozo e vitória permanente. Infelizmente, sempre existirão aqueles que estarão indiferentes por não terem recebido ou por não terem crido na mensagem do evangelho. Paulo temia que o comportamento dos membros daquela comunidade pudesse comprometer a própria salvação. O apóstolo deixa claro que o comportamento no presente pode comprometer o futuro, evidenciando que um dos objetivos de sua carta era dissipar com os conflitos e comportamentos que não condiziam com a vida cristã.
A expectativa de Paulo estava alicerçada na fidelidade de Deus (1.9)
Paulo esclarece que sua expectativa estava fundamentada na fidelidade de Deus ao seu projeto de salvação da humanidade. A sua conversão do judaísmo para o cristianismo certamente mudou sua forma de ver o Senhor, de um Deus irado e vingativo para um Deus de amor e de misericórdia. Na comunidade cristã em Corinto, existiam muitas práticas que não agradavam ao Pai, mas Paulo tinha convicção de que Deus nunca desistiria deles. Por mais falho que seja o ser humano, Deus sempre está disposto a perdoá-lo e auxiliar na mudança de rumo de sua vida. Os crentes eram abençoados pelo Espírito, mas não estavam andando pelo Espírito. Todavia, Paulo confiava plenamente na fidelidade de Deus ao plano de salvação da humanidade planejada por meio de seu Filho, Jesus Cristo. Por esse motivo, ele afirma com veemência: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor”. Paulo não está afirmando que, uma vez que havia feito a decisão por Cristo, estavam salvos de forma definitiva. Ele está enfatizando a fidelidade de Deus com o plano de salvação; para isso, os cristãos em Corinto deveriam manter-se firmes na sua fé. No caso de falha, Deus sempre está disposto a dar uma nova chance a quem estiver disposto a retornar para Ele. Deus é fiel às suas promessas e ao plano de salvação em Cristo Jesus.
Uma Igreja Marcada pelos Dons (1.7)
Os dons são cumprimento da pregação do evangelho Os primeiros versículos da carta trazem uma saudação encorajadora do apóstolo, destacando a graça e a paz que vem de Deus por meio de Jesus ao seu povo. Dentre esses versículos, o versículo 7 pode passar despercebido, mas tem um grande impacto na comunidade coríntia e será tratado com mais detalhes por Paulo mais à frente na carta (1 Co 12-14). Paulo sensibiliza seus ouvintes de que as promessas de Deus por intermédio de suas pregações do evangelho estavam sendo cumpridas no meio da comunidade. Eles estavam cheios de dons (presentes) de Deus. Arrington e Stronstad (2003, p.129) afirmam que a declaração de que aos coríntios não faltam nenhum dom espiritual tem tido três possíveis interpretações:
1. Pode significar que eles, como uma congregação, possuíam todos os dons espirituais;
2. De um relacionamento próximo é a ideia que, potencialmente, senão de fato, todos os dons poderiam ser seus;
3. Pode ainda significar que os coríntios jactavam-se de possuírem todos os dons e que Paulo estivesse sendo sarcástico repetindo a sua reivindicação. Mas é improvável que Paulo reprove-os a esse respeito.
De qualquer forma, os dons concedidos à igreja serviam de testemunho da verdade da doutrina cristã pregada pelo apóstolo. Ele, ao escrever a carta, provavelmente ficava imaginando no momento que havia chegado à cidade de Corinto. Muitos dos que estavam na comunidade no momento da escrita ele encontrou na sinagoga judaica ainda, assim como ele antes da conversão, agarrados no legalismo judaico, e de repente são alcançados pela sua pregação do evangelho. Na sinagoga, também deve ter conhecido vários devotos que se sentiam desprestigiados e inferiores no ambiente judaico e, ao aceitarem Jesus, descobrem que também têm acesso direto a Deus, sem intermediários. Mulheres, crianças, escravos, entre outros marginalizados que ouviam que as pessoas ricas estavam naquela situação porque eram justas, e os pobres, devido ao pecado, como o ensino da Teologia da Retribuição que ainda imperava na Palestina, ao converterem-se, sentem-se incluídos como filhos de Deus. Todos estes, em especial quando estavam já nas casas em suas reuniões cristãs, certamente ouviram Paulo pregar sobre os dons e dizer que todos teriam acesso e que Deus deliberadamente os dá a quem quer. Como Paulo deve ter ficado feliz ao ver os dons sendo derramados entre os cristãos em Corinto! Certamente, sua alma jubilava ao ver seus “filhinhos” passaram por essa experiência cristã. Agora, ao escrever a carta, sabendo dos problemas internos da comunidade, Paulo lembra-os dos dons recebidos de Deus, algo para ser preservado e continuar buscando.
Algumas pessoas ainda hoje questionam a existência e a finalidade dos dons. Outros, que defendem a teologia cessacionista, afirmam que os dons serviram somente para os tempos da Igreja Primitiva, como se Deus fosse limitar seus dons ao tempo e espaço. Todavia, não há melhor forma de comprovar uma verdade a não ser experimentando-a. Por isso, muitos como os coríntios podem comprovar o cumprimento da pregação do evangelho desfrutando os dons de Deus em sua vida. Uma das primeiras reações que se ouve em relação aos leitores das cartas aos Coríntios é: como Deus pôde derramar tantos dons para uma igreja tão rebelde e cheia de problemas morais? Aqui vale destacar o conselho de Richards (2014, p. 326): “quando estivermos desanimados com outros, lembremo-nos do exemplo de Paulo. Vamos nos unir a ele agradecendo a Deus pelo potencial que, no seu tempo, Deus fará com que seja desenvolvido até mesmo na vida do cristão mais apático”. O próprio significado de dom, um presente imerecido de Deus, auxilia a aproximação ao entendimento. Paulo diz que a manifestação dos dons na igreja era o testemunho de Cristo confirmado no meio dela (1 Co 1.6,7). Os dons espirituais confirmam o anúncio da Palavra de Deus (Mc 16.17-20; Gl 3.2-5; Hb 2.3,4).
Os dons não definem grau de espiritualidade
No meio pentecostal, a cultura que predomina é de que as manifestações dos dons espirituais são sinônimas de espiritualidade e santidade. Isso é um engano, pois a santidade é evidenciada pelo fruto do Espírito. Na nova situação diante de Deus, o cristão deve andar sob a lei do Espírito de vida (Rm 8.5). Muitas pessoas confundem uma pessoa avivada com manifestações externas e de dons espirituais, mas Paulo deixa claro em Romanos 8.2 e principalmente na carta aos Gálatas que a pessoa avivada é aquela que tem vida espiritual manifestada pela presença do fruto do Espírito em sua vida (Gl 5).
Os dons são capacitações para o serviço e o bem comum
Os dons devem ser utilizados com base no amor. Talvez esse seja o motivo de Paulo incluir o capítulo 13 (o poema do amor) entre os capítulos 12 e 14 dessa carta. O poema do amor é um interlúdio ao tema teológico dos dons espirituais. Assim como Tiago (1.19-27), ele mostra para quem quer ver e também para quem não quer qual é o sentido da verdadeira religião, que não está baseada nas práticas litúrgicas nem nos dons espirituais, entre outros aspectos da vida religiosa, mas no amor. O amor aplicado é um dos sinais da espiritualidade cristã. Não é por acaso que Paulo relaciona o amor como fruto do Espírito (Gl 5.22,23).
A diversidade de dons é um grande tesouro para qualquer comunidade, desde que o dom não seja considerado um fim em si mesmo. Paulo nas suas cartas aconselha a humildade na utilização dos dons dados por Deus e adverte sobre o perigo de se utilizá-los para projeção própria. Segundo o pastor Antonio Gilberto, “o dom espiritual é uma dotação ou concessão especial e sobrenatural pelo Espírito Santo, de capacidade divina sobre o crente, para o serviço especial na execução dos propósitos divinos para e através da Igreja”. Ele reforça que “foi a poderosa e abundante operação dos dons do Espírito que promoveu a expansão da Igreja Primitiva como se vê no livro de Atos dos Apóstolos e nas Cartas” (GILBERTO, 2006, p. 68). Pastor Antonio Gilberto (2006, p. 68-73) assevera que os dons de 1 Coríntios 12—14 são de atuação eventual, inesperada e imprevista (quanto ao portador). Tudo depende da soberania de Deus na operação dos dons. Ele separa os dons em três classes, conforme resumo abaixo:
1. Dons que manifestam o saber de Deus (1 Co 12.8-10) – manifestam a multiforme sabedoria de Deus: a. A palavra da sabedoria (v.8) – Dom de manifestação da sabedoria sobrenatural, pelo Espírito Santo; b. A palavra da ciência (v. 8) – Dom de manifestação de conhecimento sobrenatural pelo Espírito Santo; de fatos, de causas, entre outros; e c. O dom de discernir os espíritos (v. 10) – Dom de conhecimento e de revelação sobrenaturais pelo Espírito Santo.
2. Dons que manifestam o poder de Deus (1 Co 2.9,10) – Manifestam o poder dinâmico de Deus: a. A fé (v. 9) – Manifestação de poder sobrenatural pelo Espírito Santo. Superação e eliminação de obstáculos. Trata-se da fé chamada “fé especial”, “fé miraculosa”, que opera também em conjunto com vários outros dons; b. Os dons de curar (v. 9) – Esses dons são multiformes na sua constituição e na sua operação. Manifestação de poder sobrenatural pelo Espírito Santo para a cura das doenças e enfermidades do corpo, da alma e do espírito, para crentes e descrentes; e c. As operações de maravilhas (v. 10) – São operações de milagres extraordinários, surpreendentes, prodígios. Prodígios espantosos pelo poder de Deus para despertar e converter incrédulos (Jo 6; At 8.6, 13, 19.11).
3. Dons que manifestam a mensagem de Deus (1 Co 12.10) - Manifestam a mensagem da parte de Deus, poderosa, edificante e consoladora: a. A profecia (v. 10) - Manifestação sobrenatural de mensagem verbal pelo Espírito, para edificação, para exortação e para consolação do povo de Deus (1 Co 13.2,9; 14.1,3,5,29,39); b. A variedade de línguas (v. 10) - Dom de expressão plural, um milagre linguístico sobrenatural. As mensagens em línguas mediante esse dom devem ser interpretadas para que a igreja seja edificada (1 Co 14.5,27); c. Interpretação de línguas (v. 10) - Manifestação de mensagem verbal, sobrenatural, pelo Espírito Santo. O dom de interpretação é um dom em si mesmo, e não uma duplicação do dom de profecia (1 Co 12.10, 30, 14.5,13,26-28).
Os dons espirituais têm como um dos objetivos a glorificação do Senhor Jesus e a edificação da igreja (Jo 16.14; 1 Co 12.3; 14.5). Quando alguém recebe os dons e usa-os com o objetivo de glorificar a si mesmo, esse alguém está tomando para si o que é para ser dedicado a Deus. Os dons são dados gratuitamente pelo Senhor para serem compartilhados e trazerem mais benefícios quando se complementam entre si (sinergia). Portanto, a autoavaliação dos dons recebidos não deve ser feita comparando com o uso das demais pessoas, mas avaliando qual a contribuição dada para a totalidade dos dons concedidos à comunidade cristã. Por isso, Paulo compara a Igreja como um corpo. Paulo dá graças pelos dons que se manifestavam entre os coríntios, mas adverte que os dons devem ser usufruídos para o bem comum (1 Co 14).