sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Perfil

É pastor, pedagogo, chefe do Setor de Educação Cristã da CPAD e professor universitário. É autor de "Marketing para Escola Dominical", que ganhou o Prêmio Areté da Associação de Editores Cristãs (Asec) de Melhor Obra de Educação Cristã no Brasil em 2006, e do romance juvenil "O mundo de Rebeca"; e co-autor de "Davi: As vitórias e derrotas de um homem de Deus", todos títulos da CPAD.

  • Repensando a Escola Bíblica Dominical e seus métodos de crescimento
    (2ª parte)

    Como alavancar o programa mais popular de Educação Cristã da Igreja?
  • Pr. César Moisés

    PASSO 1
    Capacitar Docentes
    Uma leitura desarticulada de textos como 1 Coríntios 12.28; Efésios 4.11; 1 João 2.20,27 etc. comumente nos fazem acreditar que aqueles que possuem o dom de ensinar ou o ministério de ensino ― os mestres ou doutores ― prescindem de alguma formação ou preparação técnica e/ou acadêmica, podendo apoiar-se no Espírito Santo e confiar unicamente na capacitação divina. Pois, afinal, “a letra mata” (2Co 3.6). Evidentemente que esta é uma visão equivocada de passagens bíblicas que são lidas e interpretadas isoladamente sem levar em consideração o contexto ou analogia geral da Bíblia Sagrada sobre determinado assunto.

    Um simples exemplo, como o texto de Romanos 12.7b, que diz: “se é ensinar, haja dedicação ao ensino”, mostra a impossibilidade em harmonizar esse pensamento com o ensino bíblico sobre o tema. Outra versão substitui a palavra “dedicação” por “esmero”. O que é esmero? Segundo o Dicionário Aurélio Eletrônico, esmero é “Cuidado excepcional em qualquer serviço ou atividade”.

    Outro exemplo, que, independentemente do ministério de ensino, é princípio geral para a atual eclesiástica, é o texto de 2 Timóteo 2.15: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”. Segundo Deborah Menken Gill, comentarista das epístolas pastorais do colossal Comentário Bíblico Pentecostal (CPAD), esse texto de segunda Timóteo 2. 15, assim como aparece na versão Almeida Revista e Corrigida (ARC) ou como apresenta-se na

    tradução da KJV [King James Version], “que compartilha corretamente” ― “a palavra da verdade” ― são expressões que ocorrem somente no Novo Testamento. Este verbo significa literalmente “ser objetivo, compartilhar a palavra da verdade diretamente, sem distrações” (Zerwizk e Grosvenor, 1979, p.641). Tem múltiplas analogias: “um arado preparando um sulco em linha reta” (Crisóstomo), “uma máquina abrindo uma estrada em linha reta”, “um sacerdote preparando corretamente um sacrifício”, e “um pedreiro medindo e cortando uma pedra para ajustá-la em seu devido lugar” (uma definição baseada em Pv 3.6; 11.5). A palavra era frequentemente usada nas liturgias para descrever os deveres do bispo e para denotar a ortodoxia (“que é o ensino direto ou correto”) (Lock, 1973, 98-99; Rienecker, 1980, 642).[i][i]
    A respeito de ambos os textos paulinos (Rm 12.7b; 2Tm 2.15), também comenta Hurst, em sua obra E Ele concedeu uns para mestres (Vida):
    Paulo ao escrever aos Romanos, parece estar exortando cada um dos seus leitores a concentrar seus esforços na procura da perfeição no dom que recebeu individualmente, para o bem do “corpo” como um todo (Romanos 12.6-8). Inclui nisto o mestre, e insiste em que o mestre desenvolva o seu ministério de ensino. Escrevendo a Timóteo, Paulo o admoesta a “procurar apresentar-se aprovado”, a ser “obreiro que não tem de que se envergonhar”, e que “maneja bem a Palavra da Verdade” (II Timóteo 2.15). Paulo apela à diligência no estudo, e apela a Timóteo no sentido de ele pensar na aprovação de Deus, e na possibilidade de passar vergonha se não se dedicar à tarefa de todo o seu coração, bem como da necessidade de exatidão, sem erros, na exposição da Palavra. Tal lembrança, e tal apelo, deve se repetir no caso de todo professor cristão. A tarefa exige da parte do mestre o melhor que ele possa vir a ser![ii][ii]
    Concordamos com Roy B. Zuck que, ao dissertar sobre O Papel do Espírito Santo no Ensino Cristão na excelente obra Manual de Ensino para o Educador Cristão (CPAD), afirma o seguinte:
    [Alguns] pedagogos realçam a obra do Espírito Santo em favor da negligência de professores humanos. Eles sugerem que a educação é inimiga da espiritualidade; a educação é obra da carne e entra em conflito e opõe-se à obra do Espírito. Este ponto deixa passar o fato de que nos primórdios do Cristianismo Deus usava professores humanos (Mt 28.19; At 5.42; 15.35; 18.11,25; 28.31; 2Tm 2.2), e o Senhor concedeu o dom de ensinar paras alguns crentes (Rm 12.6,7; 1Co 12.28; Ef 4.11). Professores humanos, como instrumentos do Espírito Santo, podem estimular e desafiar os alunos, guiando-os em uma adequada compreensão e aplicação da Palavra de Deus.
    Ressaltar o papel do Espírito Santo no processo pedagógico não sugere que os professores não precisem estudar e preparar-se. Longe disso! “Só o professor que está bem preparado pode cumprir a tarefa com mais eficiência, enquanto que, ao mesmo tempo, confia no Espírito Santo para agir por meio dele e de seus alunos”.[iii][iii] Visto que ensinar na Igreja é um processo divino-humano, um ministério que conjuntamente envolve o Espírito Santo e os professores, o preparo torna o professor um instrumento melhor, uma ferramenta mais afiada nas mãos de Deus. Depender do Espírito Santo no ensino que o crente transmite não significa estar despreparado e “deixar que o Espírito Santo fale por mim”, como se a preparação competisse com a espiritualidade. Justamente o oposto é verdade. O despreparo não é sinal de ser “mais espiritual”. Às vezes, porém, o Espírito Santo pareceu usar esforços pedagógicos parcamente preparados e manifestamente realizou muito. Como explicar este fato? Porquanto seja verdade que o Espírito Santo anule e realmente reduza a nada o serviço malfeito de um professor, a falta de preparação não é encorajada em nenhuma parte da Bíblia.
    As palavras de Paulo em 1 Coríntios 3.6: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento”, deixam claro que o esforço humano é acompanhado, não substituído, pela obra divina do próprio Deus. Em vez de ser desculpa para a preguiça ou ignorância, o papel do Espírito no processo educacional proporciona um desafio para a excelência.[iv][iv]
    No Mensageiro da Paz, edição de março deste ano, nosso maior expoente da Escola Dominical nas Assembléias de Deus, pastor Antonio Gilberto, falando sobre esse assunto, afirmou que é “fundamental a dependência do Espírito Santo”, e acrescentou que o “ensinador eficiente não é simplesmente aquele que sabe lançar mão de fontes de consulta”, mas que este “deve depender do Espírito Santo para o guiar na escolha, iluminar sua mente e também conduzir o trabalho”.[v][v] Alguém pode então pensar que tudo o que foi dito até aqui não tem importância. Espere! Quando perguntaram ao pastor Antonio Gilberto “o que é mais importante para o ministério de ensino”, sua resposta foi enfática: “O mais importante é a pessoa dedicar-se mais, ou seja, não julgar que aquilo que já sabe é tudo que existe. Ao contrário, o universo de Deus nessa parte é infinito, de modo que quem ensina precisa estar aberto para aprender mais”.[vi][vi]
    Insistimos neste ponto sobre capacitação docente, por saber que “o principal responsável pelo atendimento de necessidades discentes é o professor da ED, pois as aulas podem ser elementos satisfatórios na busca de respostas espirituais”.[vii][vii] E, como dissemos em nosso mais recente artigo ― Educar adolescentes cristãos na pós-modernidade: desafio e necessidade ― publicado na Revista Ensinador Cristão (CPAD), “ser atualmente um educador cristão é algo que demanda muito mais que conhecimento e boa didática, é uma posição que reclama equilíbrio emocional e um bom relacionamento intra e interpessoal. Isso exige docentes que sejam éticos, instigadores, criativos, dedicados e profundamente interessados com as demandas educacionais do Reino”.[viii][viii]
    Nada menos que isso é suficiente para este tempo, pois é preciso que os educadores sejam como o sacerdote Esdras, do qual a Bíblia afirma que “era escriba hábil na Lei de Moisés, dada pelo SENHOR, Deus de Israel” (Ed 7.6b). Bem, podemos até pensar que não temos nenhuma novidade na informação de que Esdras “era escriba hábil na Lei de Moisés”, pois, sabemos que o “cargo de escriba, de acordo com o que se lê no Antigo e no Novo Testamento, era ocupado somente por homens hábeis e capazes, competentes e instruídos, homens que soubessem descrever todos os acontecimentos históricos de sua época”.[ix][ix] Portanto, a “habilidade” de Esdras tinha uma origem: sua dedicação.
    Mas, o que levou Esdras a fazer a diferença? Ele não se limitou a ser apenas mais um sacerdote nem mais um escriba, pois já havia muitos em Israel. O que o destaca dos demais está registrado em três momentos do mesmo capítulo 7: a “mão do Senhor estava sobre ele” (vv. 6,9,28). Por ter um compromisso sério com Deus e com a Palavra, Esdras percebeu que se quisesse fazer alguma coisa para mudar a situação e buscar uma renovação espiritual, não poderia limitar-se a fazer apenas o que era sua obrigação.
    Qual era a função de um escriba? Responde-nos com propriedade John D. Davis em seu clássico Dicionário da Bíblia (Juerp):
    1. Notário público, Ez 9.2, empregado como amanuense para escrever o que lhe ditavam, Jr 36.4, 18, 32, e lavrar documentos públicos, 32.12.
    2. Secretário do governo para correspondência oficial e registro dos dinheiros públicos, 2 Rs 12.10; Ed 4.8. Os levitas serviam de escribas para tomar conta dos negócios com a reparação do templo, 2 Cr 34.13.
    3. Homem encarregado de fazer cópias do livro da lei e de outras partes das Escrituras, Jr 8.8. O mais notável dos escribas foi o sacerdote Esdras, doutor muito hábil na lei de Moisés e que tinha preparado o seu coração para buscar a lei do Senhor e para cumprir e ensinar em Israel os seus preceitos e as suas ordenanças, Ed 7.6, 10. Neste respeito é ele o protótipo dos escribas dos últimos tempos, e que era ao mesmo tempo intérprete oficial da lei. Em o Novo Testamento tem ele o nome de grammateis, ou mais exatamente, nomikoi, doutores da lei, e nomodidaskaloi, que ensinam leis. Empregam-se: (a) No estudo e interpretação da lei, tanto civil como religiosa, e nos pormenores de sua aplicação na vida prática. As decisões dos grandes escribas constituíam a lei oral, ou tradição. (b) Dedicavam-se ao estudo das Escrituras em geral, sobre assuntos históricos e doutrinais. (c) Ocupavam as cadeiras de ensino que ministravam a um grupo de discípulos [...]. A profissão de escriba recebeu grande impulso, depois que os judeus voltaram do cativeiro, quando havia cessado a profecia, restando apenas o estudo das Escrituras para servir de alicerce à vida nacional.[x][x]penas o estudo sado a profecia, restando iro, a um grupo de discipulos omo o professor das coisas de Deus.
    O diferencial é exatamente o fato de que “Esdras tinha decidido dedicar-se e estudar a Lei do SENHOR, e a praticá-la, e a ensinar os seus decretos e mandamentos aos israelitas” (Ed 7.10 – Nova Versão Internacional). A esse respeito nos fala o saudoso “apóstolo da imprensa evangélica pentecostal no Brasil”, Emílio Conde, em seu Tesouro de Conhecimentos Bíblicos (CPAD):
    Desde a Babilônia, os judeus se apegaram à religião para defender sua integridade nacional. Quando retornaram, o ressurgimento religioso baseou-se na Lei, a cujo estudo se dedicaram de todo o coração. Esdras foi o iniciador do movimento, porque instituiu a leitura da Torá (“Tõrãh”) aos sábados, nas festas e em todas as ocasiões públicas. A leitura era uma exposição e uma interpretação da Lei.
    Foram os escribas que, sem dúvida, fixaram o cânon do Antigo Testamento hebraico, tanto que nos séculos seguintes foram denominados de homens de Grande Assembléia. Seu trabalho principal era o de mestre e comentarista da Torá e dos demais escritos bíblicos do cânon hebraico. Assim, surgiu o “Halãkãh”, a tradição oral e o “Aggãdãh”, fruto de exegese edificante das Escrituras. Dos dois, surgiu o Talmude.
    O método que os escribas usavam para a interpretação das Escrituras era analítico, levando em conta que cada palavra ou frase da “Tõrãh” tinha um significado especial. Assim, davam uma interpretação plena e pormenorizada. Os escribas incutiram a idéia de que as formas práticas de solução estavam implícitas no Pentateuco. Essas atividades interpretativas abriram o caminho para novos estudos e maior desejo de conhecer a Lei.
    Depois de Esdras, o escriba foi classificado como tal e era versado na Torá, chamado também de doutor da lei, mestre, ou rabino (Mt 22.35; Lc 5.17). Desde que em Israel cessaram os profetas, os sábios se ocuparam profissionalmente da interpretação das Sagradas Escrituras; assim foi formado um grupo de doutores da lei, os escribas, que logo chegaram à categoria de condutores do povo.[xi][xi]
    A partir deste propósito, Esdras deixa de ser apenas um copista estatal e passa a ser então “o escriba das palavras, dos mandamentos do SENHOR e dos seus estatutos sobre Israel” (Ed 7.11), ou seja, há uma mudança de paradigma aqui que afetou não somente o próprio Esdras, mas toda a classe de escribas (contemporânea e posterior), conforme comentários supracitados, pois, eles passaram a ser professores do povo. O fato de o Senhor Jesus se referir aos escribas de forma negativa (Mt 23.1-39; Lc 11.37-53) é claramente explicável, visto que nesse tempo eles já pertenciam à seita dos fariseus, que “complementavam” a Lei com suas tradições, tornando-a obscura e sem efeito. Assim, a “função de escriba era nobre e digna, porém os que a exerciam falharam em observá-la”.[xii][xii]
    O professor de Escola Dominical não deve se menosprezar diante dos professores da escola laica ou mesmo por causa de outras funções e departamentos da igreja, mas ver-se como o professor das coisas de Deus. Um dos maiores erros cometidos ― inclusive repetidos durante muitos anos ― por quem liderava a Escola Dominical era escolher pessoas despreparadas para o corpo docente. Agora, percebe-se uma busca desenfreada pela qualidade do ensino, pois essa é a única esperança da igreja para combater as heresias e os modismos da pós-modernidade.


    [i][i] ARRINGTON, F. L. & STRONTAD, R. (Edits). Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.1494.
    [ii][ii] HURST, D. V. E Ele concedeu uns para mestres. 1. ed. Miami: Editora Vida, 1979, pp.48,49.
    [iii][iii] Roy B. Zuck, The Holy Spirit in Your Teaching, edição revista. Wheaton, Illinóis: Victor Books, 1984, p.75. (Nota do autor).
    [iv][iv] ZUCK, Roy B. O Papel do Espírito Santo no Ensino Cristão in GANGEL, Kenneth O. & HENDRICKS, Howard G. Manual de Ensino para o Educador Cristão. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p.95.
    [v][v] GILBERTO, Antonio. Cinco décadas dedicadas ao ensino. Mensageiro da Paz, ano 77, edição 1.462, março de 2007, p.13.
    [vi][vi] Ibidem.
    [vii][vii] CARVALHO, César Moisés. Artigo: Marketing na Escola Dominical. Novo Paradigma para administração da Educação Cristã. Revista Ensinador Cristão. Ano 7; nº25. Rio de Janeiro: CPAD, jan/fev/mar de 2006, p.9.
    [viii][viii] _______________________. Artigo. Educar adolescentes cristãos na pós-modernidade: desafio e necessidade. Revista Ensinador Cristão. Ano 8; nº30. Rio de Janeiro: CPAD, abril/mai/junho de 2007, p.9.
    [ix][ix] CONDE, Emílio. Tesouro de Conhecimentos Bíblicos. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1990, p.241.
    [x][x] DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. 16.ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1990, p.192.
    [xi][xi] Ibidem, pp.242-43.
    [xii][xii] Ibidem, p.244.

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